Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

Na Saída
um velho conto de Daniel Duende Carvalho, para quem não o leu na época... e para quem quer reler um pouco de minha prosa.

"Eu quero morrer", eu disse para eles. Eles só continuaram a me olhar. Alguns talvez nem tivessem ouvido o que falei, hororizados com a cena, a situação. "Eu quero morrer, e quem não quiser me matar, vá embora! Eu nunca mais vou ver nenhum de vocês!" Alguns fizeram menção de se mover, com lágrimas nos olhos. Outros nem conseguiam se mover. "Pelo amor de Deus... eu só quero morrer...". Eu não tinha mais esperanças quando disse isso...

Eu era feliz. Algumas coisas davam errado na minha vida, outras davam certo. Tinha meu emprego que eu adorava detestar e tinha umas amigas que saíam comigo. Eu gostava de transar com elas, sabe? Elas também gostavam de transar comigo. Eu era feliz com essa vida. Mas ela acabou muito antes de você chegar, não sabe?

Eu tinha muitas coisas às quais não dava valor. Muitas delas eu nem percebia. Como por exemplo, ter uma vida, um rosto, e poder ir onde quisesse. Eu não dava valor às coisas simples, como todas as pessoas, por que não sabemos o valor das coisas simples que sempre tivemos.

Eu gostava de sair com meus amigos para beber. Eu sempre fazia isso desde que havia tirado minha carteira de motorista. Tirando uma batida leve, nada havia acontecido de errado. Nada tinha acontecido de errado, e eu não sabia o que era "nada ter acontecido de errado". Até que aconteceu.

Eu estava muito feliz. Ela estava comigo no carro, e a gente tinha acabado de transar pela primeira vez. Você a conhece, eu sei. Vocês se encontraram a alguns dias atrás, eu acho. Eu não estava dirigindo rápido. Eu ainda estava gozando aquele momento da melhor maneira possível. Ela sorria para mim e eu sorria para ela enquanto a gente ia cruzando o Eixão para que eu a deixasse em casa. Tudo na vida parecia perfeito naquele momento. Até o trabalho que eu adorava odiar parecia que ia ser bom no dia seguinte. Foi o melhor momento da minha vida, logo antes do pior.

Eu não sei de onde ele veio. Quando eu o vi ele já estava lá. Aquele cara já estava na minha frente. Eu tentei desviar, mas acertei ele mesmo assim. Acho que você o conhece, né? Pois é. Depois eu acho que batemos em outro carro. Eu não me lembro, mas me disseram que batemos em dois outros carros. Quando eu acordei... Quando eu acordei... me desculpe estar chorando, mas você entende. É a última vez que vou chorar, agora eu sei. A ultima vez que sorri foi naquele dia. Quando eu acordei eu já estava aqui neste hospital. Ela estava morta. E eu não tinha mais as minhas pernas. Eu não tinha mais meu braço... Eu não tinha mais ela.

Meus amigos vieram me visitar aqui. Um a um. Isso foi hoje de tarde, antes de você vir. Então eu pedi para que eles se reunissem aqui. No finalzinho do horário de visitar estavam quase todos aqui. O Lô, o Marquinho, o Manel, A Paulinha com o Antônio, o Rafael e o Rodrigo. Eles foram ligando um para o outro até que todos se reuniram aqui. E então eu disse para eles que queria morrer, que queria que eles me matassem.

Que crueldade você querer que eu conte essa história para você. Eu preciso mesmo continuar? O resto é muito simples. O Rafael, que é médico, veio aqui de noite e desligou o meu pulmão artificial. Você deve ter visto ele saindo quando entrou. E então você chegou. Eu não pensava muito em você, sabe? Achava que você seria bonita, ou sei lá. Mas você é apenas você...

Você sempre pergunta a história da vida das pessoas antes de levá-las embora? Talvez seja por isso que dizem que revemos toda a nossa vida no momento de morrer...



"a morte faz anjos de nossos prediletos demônios..."

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