Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

domingo, 1 de dezembro de 2002

Taxidermia humana é chique! Quando lí esta notícia na entrada do portal do UOL eu imediatamente me lembrei de Leonardo da Vinci e seus estudos gráficos de anatomia. Mal sabia eu que o Doutor Taxidermista Chique teria o mau gosto de também se comparar ao sábio inventor/pintor/escultor/desenhista/médico/insone italiano. O anatomista Gunther von Hagens, que além de montar esta exposição para fãs de marilyn manson ou pessoas doentes em geral é também um cara muito feio e esquisito, está enriquecendo e ganhando fama com suas demonstrações de taxidermia humana chique. A polícia parece não estar gostando muito mas, como isto está acontecendo no Reino Unido, o humor da polícia não tem a menor importância. Povo educado mesmo, sabiam? :)
Von Hagens parece não ter mesmo entraves sobre sua criatividade e sobre sua habilidade. Em sua exposição figuram peças como esta senhora grávida, um pouco nua demais, com o feto à mostra ainda no ventre. Me lembrou o início de uma história do John Constantine em que ele estava no cinema e ia dar uns beijos na mulher que estava com ele e de repente abriu um zíper e arrancou a pele da mulher e... bem... vcs não estão interessados nisso agora, não é? ;)
Ao ler toda a reportagem sobre a exposição "Body Worlds" comecei a me perguntar até que ponto faz sentido condenar o tal Doutor Frankenstein (como os jornais e tablóides britânicos começaram a chamá-lo) por sua arte. Em nossa sociedade é habito costruir coisas belas e feias sobre o suor e o sangue das pessoas menos providas. Nossos shopping centers são construidos por pessoas que não foram bem pagas o bastante para consumir nada do que está lá dentro. Nossas roupas de griffe são por vezes feitas com algodão que, antes de processado, foi cultivado por pessoas que nunca sequer verão as roupas feitas com o fruto de seu trabalho. Nossos milagrosos remédios da medicina tradicional foram desenvolvidos às custas de milhares de dólares estorquidos dos compradores necessitados dos milagres anteriores da medicina e testados em centenas de pobres cobaias nem sempre não-humanas. Horrorizar-se então com a exposição do velhinho feio com chapéu de Crocodilo Dundee é de certa forma meio incoerente quando vocÊ percebe todo o resto. Von Hagens faz arte com corpos de pessoas mortas, anonimizadas pela falta de pele e parentes, que não sofrem nada por isso. Não quero entrar no mérito de pensamentos espiritualistas sobre a reação das pessoas que viveram nestes corpos ao "ver" o uso dado à sua velha morada. Nós sabemos, e eles devem saber muito mais, que somos pó e ao pó retornamos. Ao menos que Von Hagens nos ache antes de virarmos pó e viremos "obras de arte".
Um simpático e solícito O nosso desconhecimento sobre nosso próprio corpo, e os tabus que temos a respeito da morte, são responsáveis por boa parte do choque que recebemos ao ver as imagens da exposição. Somos uma civilização que prefere seus mortos queimados, enterrados, piamente embalsamados em caixões de cristal ou simplesmente soterrados ou submersos... de qualquer forma, longe de nossas vistas. Não gostamos de olhar para pessoas mortas, elas nos lembram de que somos também mortais e que por trás de toda nossa personalidade, sonhos, aspirações, belezas e ensaios eróticos com mulheres siliconadas ou não existe um corpo, algo meio maquinal, cheio de veias, músculos, órgãos, cheiros e cores e texturas que só podem ser vistos naqueles entre nós que já morreram, ou estão tentando não morrer numa mesa de operação. O Taxidermista Chique até exercita um certo bom humor, que não podemos deixar de chamar convencionalmente de bom humor "mórbido", em suas obras. Na figura à esquerda vemos um simpático senhor eternizado oferecendo sua pele aos passantes da exposição. Um ato de desprendimento (epidérmico) notável. A exposição Body Worlds de Gunther Von Hagens pode ser chocante mas nos leva a pensar o quanto somos preconceituosos com alguns fatos bem reais da vida. Somos carne e carne vira assado, vira bolinho, vira hambúrguer... e por que não... vira arte.

Love, Flesh and Understanding art, life and death.

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