Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

sábado, 31 de março de 2007

Batismo carioca.

Eu estava esperando o momento em que isso iria acontecer. Quando o meu Orkut, naquela sua mania de dizer "a sorte do dia", falou que eu iria "escapar por um triz de um problema sério", eu ignorei, como sempre. O que um mecanismo automático de apresentação randômica de frases sabe sobre o futuro?

Indiferente dos dons advinhatórios do Orkut, ou de minha mansa preparação de escorpiano precavido, quando eu vi o sujeito com a arma ao meu lado, logo depois de pagar a conta naquele bar, eu entendi que eu iria passar pelo meu batismo carioca.

- "É um assalto! Baixa a cabeça! Entra todo mundo no bar! Não olha pra mim não, porra!"

Obediente, entrei de cabeça baixa no bar. Entre as muitas coisas que passavam em minha cabeça, certamente não passavam os pensamentos padrão de "eu vou morrer" ou coisas do gênero. Pelo contrário, boiando em minha cabeça cheia de álcool rodopiavam pensamentos engraçados do tipo "puxa, como ele fala baixo! falando baixo assim, amigo, você deveria levantar mais esta arma! nunca vi ninguém fazer um assalto com a arma na cintura, porra!". Amadores! Ainda bem. Não que eu seja corajoso, ou experiente em ser assaltado (foi meu batismo carioca, lembram-se?), mas sinceramente a situação parecia apenas algo um pouco mais desagradável do que não conseguir um táxi e ficar sozinho na rua.

- "coloquem seus pertences sobre a mesa! Anda! Coloca tudo!"

Enfiei a mão no bolso. Desisti de colocar minha chave sobre a mesa (afinal, o que ele iria querer com minha chave? eu moro do outro lado da cidade, amigo.). Da mesma forma, desisti de catar todas as moedas do bolso, e coloquei apenas os 10 reais que havia reservado para pagar alguma coisa no início da noite. Com o dinheiro do taxi seguro no outro bolso, relaxei. Sentei-me, e senti o peso do meu celular no outro bolso. Será que eu o entrego? Em meio à confusão, tirei o celular do bolso, olhei para ele com o todo o amor que tenho pelo meu celular, olhei para o assaltante (que estava de costas para mim), e voltei a guardar o celular. Ele não havia pedido com veemência por todos os pertences, afinal.

- "vai todo mundo pra cozinha!! se olhar pra mim eu vou passar ferro em vocês!"

É... estava demorando pra fazer a primeira ameaça. Assim, ninguém estava ficando assustado. Confesso que até eu fiquei tenso quando ouvi "passar ferro" vindo de alguém com uma arma na mão. Foi então que percebi que eu não estava assustado justamente porque o assaltante era TÂO amador e TÂO gente boa (ele havia pedido por favor para que uma das moças do bar desse seu relógio a ele), que realmente não assustava ninguém. Assalto assim é bom, né? O cara rouba só o bar, leva só o que você quer dar, e ainda nem chega a falar alto. Ahh, se todo assaltante fosse assim...

- "Agora se eu ouvir um celular tocar, tá todo mundo morto!"

Opa! Que merda! Eu não devia ter desligado meu celular antes de colocá-lo de volta no bolso? Faço um malabarismo discreto para alcançar o bolso que fica abaixo do meu joelho e desligar o celular. É com alegria que eu sinto o tremelique que avisa que ele foi desligado. Depois disso, foi só recostar na mesa da cozinha, virado de costas para a porta, e acalmar a moça a meu lado, que estava um tanto mais assutada que eu. É claro que eu estava assustado, mas misteriosamente preferira guardar o ataque de nervos para mais tarde. Naquele momento a situação toda estava tão interessante e surreal que eu simplesmente não conseguia ficar efetivamente nervoso durante aquele momento.

Quando um dos cozinheiros falou que os caras tinham ido embora, senti um misto de alívio e decepção. É até escrotice falar que senti decepção, mas eu juro que senti. Então era isso que eu tava com tanto medo? Sinceramente... não quero passar por isso nunca mais, mas não vou dizer que foi tão ruim assim não. É desagradável, e eu perdi o meu isqueiro no meio da confusão, mas está longe de ser uma das piores experiências do meu ano (e este está sendo um ano bem tranquilo). Mais do que isso, eu descobri horas depois que por pouco minha querida tia de 84 anos não me matou. Ao chegar em casa, em meio ao piti que ela deu pelo meu atraso (indiferente ao fato de eu estar trancado dentro de uma cozinha de restaurante), ela disse que tentou me ligar várias vezes. Ao ligar o celular, percebi que ela havia ligado sim -- 3 vezes -- mais ou menos na hora do assalto. Foi então que minhas pernas tremeram, e eu REALMENTE fiquei nervoso. O meu celular IA tocar e, bem, eu iria descobrir até que ponto o cara tava falando sério quando disse que mataria todo mundo se algum celular tocasse.

Bem... eu estou vivo. O mundo não perdeu um escritor e uma cantora, e eu tenho mais histórias para contar. Agora são TRÊS as vezes em que eu fui salvo da morte por pura sorte.

Alguém me paga uma cerveja?
Fiquei sóbrio depois dessa.

2 comentários:

Unknown disse...

PQP! Pô, copoanheiro, receba meu abraço solidário. Sei bem como é isso -- se lembra do meu *batismo* em Bsb?

Daniel Duende disse...

Hey copoanheiro! Está tudo bem. Foi uma situação mais inusitada do que exatamente terrível...

Lembro-me bem do seu batismo brasiliense. Quase o mencionei, mas preferi não ficar levantando lembranças desagradáveis. Tudo isso passa... :D

Cervejaremos em breve. Faço escala amanhã em Sâo Paulo. Se ficar preso na cidade por conta dos controladores, te dou uma ligada para cervejarmos.

Abraços apertados do copoanheiro Verde.