Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

sexta-feira, 1 de outubro de 2004

O Cavaleiro e o Dragão (Terceira Parte)
Uma das fábulas internas do Duende.

Leia a segunda parte de O Cavaleiro e o Dragão


Dragão e homem fitaram-se por longo tempo. Amarath esperava que sua iniciação começasse, que o dragão dissesse alguma coisa, mas desconfiava que aquilo já era o ínicio de tudo. Fitava com intensidade então aqueles dois carvões alaranjados que brilhavam na face do dragão, sentindo mesmo àquela distancia o calor que emanavam. Amarath fitava o dragão, e ao mesmo tempo o estudava, familiarizava-se agora com suas formas. A cabeça verde e alongada, com escamas estreitas e longas e que cortavam como facas. O pescoço longo confundia-se com o corpo serpentino, tão verdes e alongados como todo o resto. De seu corpo saíam quatro pernas curtas e fortes terminadas em mãos, e não patas como muitos imaginam, e que pareciam ser tão ágeis quanto as dos mais ágeis animais. Suas asas, enormes e tão delgadas quanto gumes de espadas, como lâminas que submetem os senhores do ar a presentear aquele ser com o vôo. Por fim a cauda longa, muito longa, terminada em uma espécie de ferrão aguçado com a forma de um coração alongado. A respiração da fera podia ser sentida mesmo de onde Amarath estava, e tinha cheiro de carvão, cinzas, talvez também de terra. Era uma respiração quente e ligeiramente inebriante. E a cabeça de Amarath então voltou a girar, como se tivesse bebido novamente dos sacramentos rituais de sua tribo. O dragão parecia maior e maior agora e o resto do mundo parecia estar envolto em uma névoa.

Amarath se viu então quebrando o silêncio, com palavras que não tinham certeza se eram suas:
- "Eu me chamo Amarath, filho de Mourrath e Cloethdin, descendente de fadas e dragões e respeitado entre meu povo. Sou filho desta terra e porto o orgulho de meus ancestrais. E quem é você?"
- "Eu sou um filho das montanhas e do céu, desta terra e de duas outras também. Eu existo pois me é dado existir, e eu faço o que me é dado fazer. Sou descendente da serpente da terra e afilhado do senhor dos ventos e tempestades. Eu tenho um nome, mas apenas um nome deste lugar sairá, e será o seu. Ou portaremos ele juntos, ou apenas a mim ele caberá." Disse o dragão, em um tom solene que deixou sua voz parecida com o ruído de um trovão ecoando dentro de uma caverna.
- "Submeta-me então ao que devo ser submetido, para que então eu possa provar da tua essência e afirmar meu valor. Assim seremos um como um eu sou com minha tribo e com meu destino." Agora Amarath tinha certeza de que a iniciação havia começado. Aquelas palavras eram suas, mas ele não era mais aquele que costumava ser. Sua velha vida se desprendia naquele momento como a velha pele de uma serpente que se desprende para dar lugar a seu crescimento.
- "Pois que seja então. A sua vida como você a conhecia ficou para trás. A vida que você terá pode começar agora. Se está pronto, então dê um passo à frente. O último seu último passo antes de se tornar outra coisa, ou morrer."

Amarath, em silêncio, com os olhos cada vez mais turvos, deu um passo. O dragão também se moveu em sua direção, tornando-se maior ainda... e em meio à escuridão que veio, o som agudo de um despertador digital partiu como uma faca o espaço escuro que envolvia o jovem. Já era de manhã, hora de ir para a faculdade. Seu nome é Marcos e ele não sabe ao certo se estava sonhando antes... ou se é agora que ele vive um sonho estranho.

Em algum lugar o dragão se recosta para assistir...


Esta fábula continua...

P.S. Por insistência da mesma, faço constar que esta fábula foi aprovada por Luana Selva.

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