Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

sexta-feira, 7 de outubro de 2005

Na chuva
um conto.

- Que bom, chuva de novo.
O som do limpador de parabrisas era como música para seus ouvidos enquanto o carro subia pela colina. Nem os olhos, vermelhos e inchados, (fumaça ou lágrimas?) incomodavam mais. Dias chuvosos sempre faziam-na se lembrar da infância.
- Um quarto com banheira, porfavor.
O atendente do motel abre a janelinha e olha desconfiado para o interior do carro embaçado, mas entrega a chave sem falar nada.
A ardósia fria do chão do quarto lhe sorri. Enfim sós. Enfim só. Abre a cigarreira prateada e acende um charuto enquanto abre a água da banheira, mas não acende as luzes enquanto se despe. Lentamente, o entardecer penetra pela janela e suas veias.
Dos prazeres que já pudera comprar, a solidão é o que lhe era mais caro, em todos os sentidos. Ah! O sublime prazer de se entregar ao que te machuca; cutucar suas feridas internas com uma chave de fenda. Aquele mesmo de impulso masoquista que lhe impelia a morder a própria língua até sentir o gosto do sangue, lhe guiava para longe das companhias humanas.
A situação exterior sempre deveria se assemelhar à interior, pensou ela. Nos momentos mais difíceis, sempre quisera se esconder, não suportava o odor de outros corpos junto a si. E nunca parecia haver lugar no mundo onde pudesse estar sozinha.
Foi aí que descobriu o motel. Pagava feliz pelas horas de sossego, sorrindo calada para a parede enquanto palavras se chocavam em ondas contra seu crânio, em um estranho monólogo interno.
Balança a cabeça de um lado para o outro: - Não ouvi um barulho como o de um brinquedo quebrado?
Apóia a cabeça na borda da banheira e submerge .....
Com o corpo ainda molhado, deita na cama redonda e branca, se enrolando em um abraço íntimo, enquanto ruído da sua respiração se mistura ao vento e aos pingos de chuva lá fora. No chão, o charuto se apaga com a água que escorre da banheira.

foto por pulpolux
(foto retirada daqui)

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