Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

segunda-feira, 10 de outubro de 2005

::cyberliteratura::
A Elly Guevara e o pessoal dela estão fazendo um trampo muito legal em Santo André. É o Ciberliteratura.

"Hoje iniciamos o encontro com o texto abaixo:

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Projeto de história. Dois escritores, habitantes de dois chalés situados em vertentes opostas de um mesmo vale, observam-se reciprocamente. Um deles costuma escrever de manhã, o outro, de tarde. De manhã e de tarde, o escritor que não está escrevendo aponta sua luneta para o outro que escreve.

Um deles é um escritor produtivo, o outro, um escritor atormentado. O escritor atormentado observa o escritor produtivo encher de linhas uniformes as páginas e fazer crescer a pilha de folhas bem arrumadas. Dentro em pouco, o livro estará concluído: certamente um novo romance de sucesso - é o que pensa o escritor atormentado, com uma ponta de desdém, mas também com inveja. Ele considera o escritor produtivo nada mais que um hábil artesão, capaz de confeccionar em série romances que atendem ao gosto do público; mas não consegue reprimir um forte sentimento de inveja por um homem que se exprime com tão metódica segurança. Não é apenas inveja o que sente, é também admiração, sim, admiração sincera: no modo com que aquele homem põe todas as suas energias no escrever, há certamente uma generosidade, uma confiança no ato de comunicar, de dar aos outros aquilo que esperam dele, sem interpor problemas de consciência. O escritor atormentado pagaria muito para parecer-se com o escritor produtivo; gostaria de tomá-lo por modelo; doravante sua maior aspiração é tornar-se igual a ele.

O escritor produtivo observa o escritor atormentado enquanto este se acomoda à escrivaninha, rói as unhas, tem comichões, arranca uma folha, levanta-se para ir à cozinha fazer café, depois chá preto, depois chá de camomila, lê um poema de Holderlin (embora esteja claro que Holderlin não tem nada a ver com o que ele está escrevendo), torna a copiar uma página já escrita e depois a risca linha por linha, telefona para a lavanderia (mesmo já sabendo que as calças azuis não ficariam prontas antes de quinta-feira), toma algumas notas que não serão úteis agora, talvez só mais tarde, vai consultar a enciclopédia no verbete "Tasmânia" (sendo óbvio que naquilo que escreve não há nenhuma alusão à Tasmânia), rasga duas folhas, põe na vitrola um disco de Ravel. O escritor produtivo jamais gostou das obras do escritor atormentado; quando as lê, sempre lhe parece estar prestes a chegar ao ponto decisivo, mas depois esse ponto lhe escapa, e sobra apenas uma sensação de mal-estar. Mas, no momento em que o vê escrever, sente que esse homem se debate com algo de obscuro, um emaranhado, um caminho a ser aberto que ele não sabe aonde conduz; às vezes, parece-lhe que o vê caminhar sobre uma corda suspensa no vazio, e é tomado por um sentimento de admiração.

Não só de admiração, mas de inveja também, porque sente que seu trabalho é limitado e superficial se comparado ao que o escritor atormentado está procurando.

...

SE UM VIAJANTE NUMA NOITE DE INVERNO
Italo Calvino - pág. 177/178"
(leia mais no blog do Ciberliteratura)

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