Automatismo cotidiano...
Estava comprando comida e cigarros no Pão de Açúcar ao lado de minha casa (que sempre me faz lembrar da sobrinha do Abílio), bastante automatizado eu mesmo, quando percebi uma senhora japonesa perguntando à atendente se esta não havia visto sua carteira de dinheiro perdida há dias. Distraído pelas minhas atividades, não pensei duas vezes em olhar para a senhora japonesa. Seus olhos puxados eram vagos, e ela, mesmo depois de cruzar o olhar comigo, continuou sua ladainha sobre o conteúdo de sua carteira perdida. A atendente se recusava a escutar, calada, e anotar (ou fingir que anotava) os dados passados pela senhora. Me deu uma sensação estranha de que nenhum de nós estava ali. A atendente estava apenas seguindo seu treinamento, de uma forma distraída e automática. A senhora japonesa estava tão distraída quanto no momento em que saiu do supermercado sem sua carteira, inadvertidamente (falha no programa?). Eu estava apenas observando a situação desligadamente, meu corpo ocupado em pagar pelos cigarros. Estavamos todos presentes apenas em nossos automáticos corpos.
Alma, que é bom, passa longe...
E ao que parece é assim que querem que seja. Voltando para casa logo depois do acontecido, ouvi uma propaganda ridícula da Skol que insinuava que boemia e diversão e "joy de vivre" combinam de forma indivisível com canalhice e poligamia (quem ouve rádio deve saber de que propaganda falo...). Nada de errado, é apenas uma propaganda, uma construção simbólica bem humorada, mas é grave. Longe de mim dar umas de paranóico de conspiração, mas não parece existir um esforço de toda a mídia (desde a noticiosa até a de entretenimento) em nos tornar cada vez mais rasos, ausentes e automatizados? Não entre em contato com as pequenas coisas do dia, não preste atenção nos detalhes, não se envolva com as pessoas (mesmo com aquelas que vc se envolver), não pense sobre a natureza das interações humanas ou os rumos de nossa cultura. Apenas compre seus cigarros e seu sanduíche, olhe para a bunda da gostosa que estava comprando macarrão e vá embora, Duende.
Mas não... eu sempre tenho que pensar em tudo, querer sentir tudo. A sensação que me dá é que vivo num mundo de autômatos consumistas. Os olhares quase sempre vazios, ou tomados de uma animação ou de uma vontade pasteurizada. Nada tem um sentido humano nesta sociedade estética de formas que se descolam cada vez mais com a essência humana.
De que adianta dizer estas coisas?
Não sei. Talvez elas façam sentido para você. De qualquer forma eu me divirto escrevendo elas...
Eu sempre foi fiel à minha rebeldia, meu questionamento, mesmo que apenas pela diversão... :)
Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.
Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.
Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.
sexta-feira, 28 de outubro de 2005
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2 comentários:
Falar sobre isso não é bobagem. Este assunto é visceral. Há milhares de pessoas no mundo tomando, agora mesmo, alguma medicação para depressão por não saberem (ou até por saberem) o que há de errado com suas vidas - se é que isso é vida.
Muito bem observado e conjecturado.
Obrigado pelo apoio, Sheila.
Gosto de saber que há pessoas que também percebem estas coisas. Sei bem que não sou o único. Tenho o privilégio de conviver com algumas pessoas que também pensam assim. Mas é sempre legal estabelecer pontes através do espaço (e do ciberespaço) sobre o rio do automatismo anti-vida, e encontrar mais gente que quer rejeitar o "programa".
Fico feliz também de ver que o Google tá sendo amigão e ainda está direcionando as pessoas aos meus posts antigos. :D
Abraços apertados do Verde.
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