Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

sexta-feira, 24 de junho de 2005

Talvez todas as coisas façam sentido, de alguma forma.
Mas a nós só é garantida a capacidade de perceber
que todas as coisas fazem sentimento...



... estava saindo de mais um almoço com meus velhos amigos. Caminhava no comércio em busca de uma farmácia para comprar pasta de dente e um barbeador. Estava perdido em olhar os carros enquanto andava quando percebi um barulho alto de metais se chocando. Parecia uma grande quantidade de canos de ferro batendo uns nos outros. Olho à volta tentando entender o que estava acontecendo e vejo um daqueles andaimes que os operários montam para alcançar partes altas da estrutura. Ele estava desabando. Sob o andaime, no meio dos ferros que caíam com um barulho infernal, havia uma criança de uns poucos anos. Não mais que 8 ou 9. Os ferros caíam à sua volta, e ela quietinha, sem ação. Não me veio nada à cabeça naquele momento, enquanto os ferros caíam de um lado e do outro dela. Então veio a última trave e atingiu a criança na nuca. Meu sangue gelou.

Jogada de quatro no chão pela força da pancada, a criança olhava para mim entre as ferragens, ou olhava através de mim como se não me visse. Levou alguns segundos para que ela começasse a chorar - a gritar - e as pessoas começassem a correr para entender o que havia acontecido. Pessoas que estavam na rua corriam e passavam por mim enquanto o sangue começava a encharcar a blusa da criança, enquanto ela gritava desesperada com os olhos fixos. Gritava que não conseguia enxergar...

As pessoas se amontoaram e levaram a criança embora. Ela parecia estar tão em choque com a situação que nem sequer havia mudado de posição. Mantinha os braços esticados para frente e os joelhos flexionados. De repente percebi que minhas pernas estavam me levando embora dali. Virei as costas e segui meu caminho enquanto pessoas passavam correndo por mim em direção à criança que ainda gritava lá atrás. Os gritos dela ficaram ecoando nos meus ouvidos por vários minutos, mesmo depois que entrei no carro e comecei a dirigir para o ministério.

Não sei o que me deixou mais chocado. Se foi a visão do acontecimento, os gritos, ou a consciência de que aquilo tudo deve ter sido terrivelmente doroloro para aquele pequeno ser humano. É fácil entender por que o andaime caiu. A criança o empurrou. Estas coisas acontecem. Pessoas se machucam ou morrem todo dia em acidentes deste e de outros tipos. Mas quando você vê um destes acontecendo tão perto de você, isso te toca de alguma forma.

Nâo é a fragilidade de nossos corpos ou a nossa vulnerabilidade aos acidentes e acasos da vida que me deixou mais chocado. Não foi nenhuma idéia ou pensamento que me deixou chocado. Foi a sensação, o sentimento, de estar lá e ver aquilo acontecer. O sentimento de absoluta impotência frente à situação e frente ao poder do universo de fazer estas coisas acontecerem.




Meu estômago está embrulhado até agora.

Espero que o menino esteja melhor agora.



Talvez eu só esteja sensível demais.
Preciso de colo...

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