Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

domingo, 16 de janeiro de 2005

Gatos
um velho conto meu, repostado em homenagem à Nath e à Bast, e também à Lotus a negra.

Olho à minha volta, procurando aquela gata. Não posso perder ela agora... Desde que a vi, gata perdida entre os blocos, eu a quis. Fico atento a cada movimento, cada sombra. Esse jogo de perseguição, tão antigo, é um tesão. Não posso perder ela agora, e desde que cruzamos nosso olhos nesta noite, eu soube que ela também não queria ser perdida. Ela quer ser desejada, perseguida, alcançada e tomada. Eu vou achá-la. Ah, se não vou...

Corremos entre blocos, ora eu a deixava ganhar distância, ora ela se escondia para que eu a achasse. Este é o nosso jogo. Eu a perdi depois dessa curva e... Não, ela está ali! Meus pelos se eriçam quando vejo seu corpo longo e ágil correndo. Minhas pernas se esticam na corrida, minha vontade se alongando a cada passada. Cruzamos dois blocos, um estacionamento, um parque – correndo, correndo, até que a alcanço. Sinto sua respiração cansada combinando com a minha. Nossas peles se chocam com força quando pulo sobre ela. Rolamos sobre a grama seca. Ela é minha gata, eu sou o gato dela, agora. Sobre a grama, entre os blocos, sob o céu e tudo mais, me coloco dentro dela. Alí roçamos e cheiramos, lambemos e gememos... e gememos... gememos.

Uma janela se abre sobre nós. Um grito, um xingamento, uma pedra de gelo que é jogada em minhas costas – estragam tudo, doem. Alguém joga cubos de gelo sobre nós e nos chama de gatos safados, grita que quer dormir... Corremos por instinto de sobrevivência, em busca de abrigo do perigo, para lados contrários. De meu esconderijo sob um carro posso ver o gelo derretendo sobre a grama que esquentamos. Posso ver a janela sendo fechada e alguém que ruma de volta para o sono entediado. Posso ver a noite se esgueirando sobre o para-choque do carro, mas não posso ver a minha gata. Nós nos perdemos nesta noite...

Porra! Será que humanos não entendem o tesão?

-=-

Que este seja um ano feliz
para homens e gatos.

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