Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Sobre a proibição de RPGs e jogos de computador.

Refletindo sobre as lastimáveis notícias de que um juiz de Goiás quer proibir o CS e o EverQuest no Brasil, enquanto um juiz de Minas Gerais tenta fazer o mesmo com o Vampire: the Masquerade e outros RPG's, pensei que seria oportuno tecer mais algumas considerações sobre o tema.

Os motivos para a violência parecem insondáveis para alguns. Outros parecem ter as mais variadas respostas prontas para a questão. Há quem diga que somos naturalmetne violentos. Há quem diga que as tensões da superpopulação urbana, do trabalho frenético, do trânsito, da dificuldade de se sustentar hoje em dia, e a própria violência das grandes cidades gera um efeito cascata que resulta em violencia. Mais e mais violência... em um caudal que parece sem fim.

Muitas são as formas que nós, cidadãos urbanos, buscamos para tentar relaxar de nossas tensões, e, quiçá, não nos tornarmos também estressados e violentos. Alguns jogam futebol, outros nadam ou praticam artes marciais. Alguns vão ao cinema, outros a shows e festas. Alguns passeiam no parque enquanto outros assistem televisão. Alguns jogam videogames. Alguns outros, jogam RPGs. Todos são gente, com estudos, trabalho, compromissos, relações que os sustentam mas por vezes dão trabalho, alegrias e tristezas, dores e prazeres.

Entre estes cidadãos urbanos, há alguns que explodem em violência, ou mesmo a tem como parte de seu cotidiano. Latrocidas, estupradores, assassinos, maridos que espancam suas mulheres e seus filhos, brigões de plantão... pessoas que se destemperaram, ou que pararam de se importar com o próximo a ponto de achar que está tudo bem em violá-lo, ferí-lo ou tirar sua vida. É confortável pensar que estas pessoas são bem diferentes de nós. Mas a verdade é que elas não são.

É claro que o fato de que eu e, espero, você que está me lendo, não temos a menor intenção de bater em ninguém, matar ninguém nem violentar ninguém nos difere de alguma forma das pessoas que fazem estas coisas. Mas há uma série de coisas que nos assemelha a eles. Assistimos televisão (ou não), gostamos de alguns filmes, detestamos outros, gostamos ou não de futebol ou de carnaval, bebemos ou não bebemos, fumamos ou não fumamos, cheiramos ou não cheiramos, jogamos RPG ou não jogamos. Estas coisas não nos diferem deles. Por outro lado, nos aproximam, e não podem de forma alguma ser pensadas como algo que os torna violentos (embora eu goste de pensar que estes passatempos e hábitos nos permitem ser mais calmos e pacíficos).

Como eu dizia, vivemos tempos violentos. Boa parte daquilo que a televisão nos mostra, assim como boa parte dos enredos de cinema, são recheados de violência gráfica ou velada. Assim também é com vários segmentos musicais, histórias em quadrinhos e livros, jogos de computador e RPGs. Agora, esta violência que ali se encontra não é causa, e sim reflexo, da violência de nossos tempos. Culpar os reflexos de nossos tempos -- da estética que estes tempos incutem em alguns de nós -- pela violência que grassa em nossos tempos é como culpar um espelho pela feiúra que reflete. É absurdo. Ainda assim, há algumas pessoas que estão fazendo exatamente isso. E o que é pior, algumas delas foram escolhidas e empossadas com o poder de decidir muitas coisas sobre nossa vida -- são juízes, pessoas que deveriam ter a visão muito clara sobre o que estão fazendo, ou ao menos assumir a própria ignorância e tentar se informar antes de soltar uma decisão sobre a sociedade.

Novamente, não é isso que está acontecendo. Nas decisões ligadas à proibição daqueles jogos de computador e daqueles RPGs, o que pude notar foi uma grande ignorância por parte dos redatores dos textos, somada à distorção de certos fatos e a induções falaciosas que fariam meu velho professor de Ética perder seus últimos cabelos. E é agora que toda aquela minha introdução entediante lá em cima começará a fazer mais sentido para vocês.

Já está mais do que provado que o tal assassinato ocorrido em Ouro Preto não foi motivado -- e na verdade não tem nada a ver -- com o jogo Vampire: the Masquerade. Nada indica realmente que o RPG tenha qualquer conexão real com este ou qualquer outro crime. Não há provas, nem mesmo as mais circunstanciais. O que há é uma indução falaciosa -- Vampire é um RPG violento, o(s) rapaz(es) cometeu(ram) um crime violento, logo deve haver uma ligação. Não sei o que vocês pensam, mas para mim esta afirmação se assemelha a dizer que já que o Brasil tem muitos negros, e todos os países pobres tem muitos negros, então a pobreza do Brasil deve ser causada pela presença de muitos negros. Infelizmente já ouvi as duas afirmações, e elas me soam igualmente absurdas e ultrajantes. Mais ultrajantes ainda quando vocè pensa que nem o Brasil é um país pobre, nem o Vampire: the Masquerade incentiva o assassinato e a violência (nem sequer por parte dos personagens controlados pelos jogadores) em momento algum.

Sem entrar em mais detalhes sobre como o Vampire é um RPG que aborda a violência mas em nenhum momento a glamouriza ou estimula nem sequer dentro de sua ficção, acho válido ressaltar que a grande maioria dos jogadores de RPG que conheço são pessoas pacíficas, algumas até meio pacíficas demais. O mesmo se aplica a quase todos os fãs de Death Metal que conheço, indiferente da violência das letras das músicas que gostam. O mesmo se aplica a quase todos os jogadores de Counter-Strike que conheci. Embora alguns deles tenham desenvolvido um certo facínio por tiroteios virtuais, duvido muito que algum deles gostaria de estar em um tiroteio real. Seria mais fácil dizer que jogadores de Paintball, que efetivamente atiram balas de tinta uns nos outros (diferente dos jogadores de CS que só apertam botões) podem se tornar atiradores loucos, e isso seria também uma séria fuga da realidade.

Por outro lado, o álcool pode ser apontado como responsável ou potencializador de muitas condutas violentas, mas ninguém questiona que proibir o álcool -- uma droga popular que é querida das classes de A a E -- seria absurdo e injustificado. Por quê, então, proibir certos RPGs e certos jogos de computador que NADA tem a ver com a violência de nossos tempos? Mais do que absurdo, isto me soa uma tentativa obscurantista de quebrar espelhos ou atirar às cegas contra um problema que não se entende ou, pior ainda, uma profunda ignorância e falta do que fazer por parte dos autores das referidas decisões judiciais.

Associar o criminoso com seus hábitos que o aproximam de nós é, por indução, afirmar que somos criminosos por gostar de formas perfeitamente pacíficas de diversão. Isso não apenas é absurdo, mas é também ultrajante.

Sem mais entediar vocês com minhas divagações, acho que é hora de agir. Se você gosta de RPGs ou de jogos de computador, sejam eles violentos ou não, e se você acha que quebrar espelhos não resolve o problema daquilo que eles refletem, ou se acha um absurdo cercear os modos de diversão de nossa juventude, junte-se a nós em nossa causa. Diga NÂO à proibição do Vampire: the Masquerade e do Counter-Strike em seu blogue, fotologue, flickr, orkut, twitter e onde mais puder. Mande emails para as varas criminais responsáveis por estes absurdos. Lutemos pelo nosso direito de nos divertirmos do modo saudável -- mesmo que incompreensível para algumas bestas -- que bem entendermos.


P.S. Em tempo, o sr. Fernando Martins, autor da peça em que se tenta proibir o jogo Vampire: the Masquerade, entre outros, é o mesmo promotor que vem infernizando a vida dos jogadores de RPG desde 2001, época do crime de Ouro Preto. O cara deve ter problemas com RPG, ou então deve faltar-lhe assunto para nos perseguir durante 7 anos tentando proibir uma de nossas diversões.

P.P.S. Ainda sobre o caso do assassinato de Aline Silveira Soares em Ouro Preto no ando de 2001 (parte do que motivou a sanha do sr. Fernando Martins contra o RPG), há um comentário bastante elucidativo em uma comunidade do orkut feito pela hoje jornalista Fernanda Lizardo, o qual reproduzo abaixo:

"Eu tive acesso ao inquérito
Não jogo RPG (até gostaria de aprender) e acompanhei de perto o caso de Aline Silveira Soares (inclusive, tive acesso ao inquérito). Confesso que fico chocada com a igmorância da polícia ao associar o caso com o jogo de RPG.
Para vocês terem uma idéia, a polícia de Ouro Preto apreendeu livros de Nietzsche numa república, alegando ser de "Magia negra".
Também apreenderam uma fita "descrevendo um assassinato", que na verdade nada mais era do que uma gravação de um monólogo para o MoMu, Festival de músicos e monólogos, organizado todos os anos pelos alunos do curso de artes da UFOP.
Vejam a versão da polícia para o caso: "Aline Silveira Soares pulou o muro da Igreja de Nsa Sra das Mercês no centro histórico de Ouro Preto (ou seja, na parte mais movimentada da cidade), com mais 5 pessoas, jogou RPG por horas (sendo que teriam de iluminar o cemitério para isso), bebeu, usou drogas (façam-me acreditar que uma pessoa drogada consegue falar baixinho), reve relações sexuais no cemitério, foi morta, e depois, os 5 algozes pularam o muro de volta.. E tudo isso SEM CHAMAR A ATENÇÃO DE NINGUÉM!!
Ah, faça-me o favor!
A cidade inteira sabe que, na tarde antes de morrer, Aline foi vista discutindo com um indivíduo, que NUNCA FOI INDICIADO pela polícia. A questão é simples: ela não tinha dinheiro para pagar as drogas que consumiu (tanto que ela pretendia dormir NA RUA com as amigas, e só se salvou dessa fria porque uma boa alma lhe ofereceu abrigo). Na hora de voltar à república (a Igreja de Nsa Sra das Mercês, onde ela foi morta, fica no caminho), foi abordada pelo indivíduo cobrando a grana das drogas. Como não podia pagar, aceitou ter relações com ele para pagar a "dívida"(no inquérito consta que ela tirou as roupas por livre e espontânea vontade e que não havia indícios de esperma nos genitais. Nenhum estuprador tem tempo de colocar preservativo, né?). No inquérito também consta que, quando ela levou o primeiro golpe de faca, estava de cócoras, ou seja, na posição vulgarmente chamada de "de quatro".
Muito provavelmente o homem tentou forçar sexo anal e ela recusou, o que o levou a golpeá-la uma vez (todo traficante anda armado, nem que seja com uma faquinha). Como ele já havia feito a bobagem de feri-la - e não dava para voltar atrás - não tinha outra opção, senão matá-la.
Aí vocês perguntam: mas porque o corpo dela estava em posição de crucificação e com sangue esfregado em todas as partes? Simples! O indivíduo que a matou quis despistar a polícia (e estava bem drogado também, porque nesse país até traficante se vicia). Qualquer pessoa no mínimo inteligente que comete um crime, faz de tudo para não deixar pistas. E o assassino de Aline conseguiu!
Agora, por incompetência da polícia local, pessoas inocentes estão sendo indiciadas, estão associando o RPG injustamente ao crime e o assassino está rindo à toa a cada vez que lê os absurdos que são publicados pela imprensa!
Eu pude acompanhar várias entrevistas e percebi o quanto os repórteres (principalmente da Rede Globo e do jornal Estado de Minas) deturparam as informações passadas a eles.
Esse crime não tem nada a ver com RPG, mas com o pagamento de uma dívida de drogas.
Perdoem-me a longa mensagem, mas não dava mais para ver as coisas acontecendo sem falar nada.
Abraços!"

Estou tentando contato com a Fernanda para saber mais sobre a história, já que até hoje tudo que posso encontrar no Google sobre o tema continua culpando o RPG pelo crime, embora já tenha ficado provado que o jogo nada tinha a ver com o caso.

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