Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

sábado, 25 de novembro de 2006

Novo livro?

Ao que parece um novo livro começou a surgir nos últimos dias. Venho escrevendo-o em fragmentos desordenados... lampejos, cenas, diálogos, idéias... mas pouco a pouco ele vem tomando forma. Ainda não tem nome, e nenhum dos fragmentos é realmente garantido de fazer parte da obra final, ou está a salvo de ser modificado, reescrito, abandonado, odiado ou amado...

Que os Deuses da Inspiração me ajudem neste livro também. :D

Vai um fragmento do livro (publicado originalmente no meu deviantART), para quem estiver curioso.

"...Sentou-se ao lado da cama do pai. Mesmo sem fumar, o velho ainda cheirava a cigarro e cinzas. Desde pequeno não gostava que o pai fumasse. Sentia que aquilo era ruim, que iria acabar matando seu maior herói e anti-herói. Não adiantou falar. Chegaram a brigar por isso algumas vezes, mas por fim ele aprendeu a respeitar aquele homem estranho a quem devia metade -- talvez até mais -- daquilo que havia se tornado. Mas agora seu pai estava alí deitado e tão frágil... tão frágil... Respirava com ajuda de aparelhos. Estava morrendo, e o havia chamado. Porquê, ele não sabia...

Esperou por um bocado de tempo, fitando o velho homem deitado na cama. Mesmo na esterilidade de um quarto de hospital ele ainda parecia emanar, mesmo que débilmente, um encanto estranho. Lembrou-se de sua infância. De como ele parecia ao mesmo tempo tão distante e tão onipresente. As coisas de seu pai, os olhares tão significativos, as palavras esquisitas sobre coisas esquisitas. Seu pai pareceu sempre viver em outro mundo, mas também parecia estar mais alí do que qualquer outra pessoa. Por vezes parecia absorto, mas hoje ele sabia que aquele olhar estranho, desfocado, esteve sempre repleto de amor. Lembrou-se dos brinquedos estranhos que ganhava a contragosto, quando só queria ter brinquedos como os de outras crianças. Depois vieram os livros, as poesias rabiscadas em guardanapos de bar e folhetos de anúncios, as roupas que ele nunca teria coragem de usar. Derramou uma lágrima. Não sabia naquele tempo o quanto aqueles brinquedos, aquelas palavras e aqueles livros, aquelas roupas -- aquele homem -- estavam trazendo algo à sua vida que poucas pessoas acreditavam ou teriam. Hoje, olhando para seu pai deitado naquela cama, ele finalmente tinha que admitir. Aquele homem entendia mesmo de magia. Ele tentou ensinar isso a todos, mas muito poucos entenderam a tempo. O tempo não é amigo de gent ecomo seu pai. Ou talvez seja. Talvez fosse mesmo hora para que o velho cluracão descansasse. Chorou como criança ao lado da cama do pai.

Suas lágrimas pareceram despertar o homem que ressonava sobre a cama. Seus olhos feitos pequenos pelo peso das rugas e dos anos -- parecia muito mais velho do que era, dado à sua vida desregrada -- levaram algum tempo para focalizar o filho, mas por fim sorriram. Não podia falar além de um sussuro. A operação havia roubado sua voz. Mas mesmo assim seu sorriso falou muito. O velho derramou também uma lágrima ao ver que o filho chorava, mas seus olhos ainda pareciam cheios de uma alegria estranha. Era tudo estranho e encantador sobre aquele homem.

"Você me chamou, pai?"
"Sim". Apenas um sussurro.
"O vôo atrasou. Os aeroportos estavam uma loucura com..."
Um aceno de mão de seu pai o calou. Fitaram-se mais um momento, até que o homem sobre a cama falou com dificuldade.
"Eu te amo, meu filho. Sempre te amei. Leva seu nome... todas as lembranças... Quando eu for embora, vai ser você..."
"Calma pai. Não se esforça tanto para falar..."
"Cala a boca, filho. Escuta..."
"Sim pai. Fala...". Mais lágrimas.
"Eu estou indo. Leva tudo que te dei". O sussurro ficou mais fraco.
"Sim pai. Eu tava aqui esperando você acordar e lembrando da minha infância, e do cara maravilhoso que você era mesmo que eu não soubesse sempre disso. Mamãe por vezes falava tanta besteira sobre você..."
"Eu amo a sua mãe também... Ela é uma tola. Linda e amorosa, e tola..."
"É... ela é..."
"Acredite..." O sussurro foi transformado em um chiado. Tosse. O corpo frágil sobre a cama se contorce.
"Pare de falar, pai. Você ainda não tá em condições..."
"Acredite em magia, filho...", diz o velho encantado entre espasmos de tosse.
Uma enfermeira entra no quarto. O filho é mandado embora..."


É só um fragmento solto, mas opiniões (não anônimas) são sempre bem vindas.
Principalmente opiniões sobre estilo ou críticas a forma ou modo de expressão.
Estou experimentando com a linguagem. Feedback é sempre algo bom...


Abraços do Bardo Cluracão Verde...

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