Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

sábado, 14 de agosto de 2004

Cigarros e Falsas Necessidades
Um velho texto meu de 2002 sobre a vida de citadino mimado e viciado em civilização (e seus vicios)

"Meus cigarros acabaram, que desastre! Como posso eu viver em cima desta colina sem cigarros? O canto dos passarinhos, o sopro do vento, o toque do meu celular, tudo enfim me lembra de que não tenho um cigarro para fumar. Não estou de todo sem fumo. Tenho os fumos de cachimbo que comprei anteontem, inclusive um Latakia, curtido em cocô de camelo, forte e encorpado, que eu estava namorando há muito tempo. Mas estou sem cigarros, que desastre isto me soa.

Isto me leva a pensar sobre nossa tão birrenta tendência à insatisfação. Por mais que tenhamos quase tudo que nos acostumamos a ter - eletricidade, um teto, amigos, um bom estoque de guloseimas na dispensa além da comida na geladeira - quando nos falta uma das coisas que estamos acostumados a ter então o mundo parece terrivelmente errado. Quando tenho cigarros, penso, eles não são lá grande coisa. Acende-se um, ele dura um tempinho enquanto o fumo quase automaticamente, e então ele acaba e em minutos nem lembro mais que eu estava fumando um cigarro. Deles só me lembro quando quero fumar, mas quando faltam, ah como eu queria um cigarro!

Não é assim apenas com o cigarro. Me lembro de ontem quando faltou luz, eu tinha cigarros mas isso de nada valia, pois faltava energia elétrica e eu detestei estar no escuro sem poder ligar meu computador, ou mesmo uma lâmpada, para me sentir menos sozinho e frágil no escuro. E quando tenho os dois, eletricidade e cigarros, sinto falta de qualquer outra coisa. Uma namorada, a comida que queria comer, ovinhos de amendoim... Eu e meus semelhantes somos mesmo muito mal acostumados...

Por que precisamos destas coisas todas para sermos felizes? Será uma infeliz opção pelo vício, ou será que inadvertidamente nos acostumamos assim? Nascemos sem estes vícios. Cidades, eletricidade, guloseimas, comidas saborosas, cigarros... São coisas que viemos a conhecer depois, acredito. E por que então elas nos foram apresentadas, à guisa de uma vida melhor? Somos mesmo uma raça que tem muito gosto por se prender às correntes de sua obra. Somos o escultor preso à sua escultura, temeroso em afastar-se da mesma, já cego a tudo que não seja obra sua. Temos medo de cair se nos afastarmos demais de nossa fogueira de eletricidade que fumiga a terra com seu mau ar. E pensar em tudo isso me faz ficar triste. Se ao menos eu tivesse um cigarro..."

Daniel Duende, abril de 2002


Eu continuei reclamando
e eu continuo reclamando...
até quando?

E você?
Também reclama de barriga cheia?

Nenhum comentário: