Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

sexta-feira, 18 de novembro de 2005

Rindo das piadas dos Deuses
Como se divertir com o absurdo numa longa noite às voltas com a polícia e com o pobre Brutus, abandonado até pelos ladrões...

Eu já estava com a minha carona arranjada. Iria do trabalho para casa com meu irmão. Estava até começando a gostar da vida pedestre. Estava começando a aprender um bocado com ela. Ser pedestre estava me dando insights fantásticos a respeito do Slow Living e das dinâmicas urbanas de Socialização Cotidiana...

E então um policial me ligou...
- "Por favor... o senhor Daniel Carvalho? O seu veículo foi encontrado na 404 norte."
- "Ahn... é? Nossa... E.... E ele está inteiro?"
- "Segundo o policial que se encontra no local, o veículo está em boas condições".

Não querendo elaborar a respeito do que um policial consideraria serem "boas condiçôes" (E levando em conta o fato de que difícilmente o Brutus estivesse em boas condições quando foi roubado), resolvi simplificar a conversa...

- "Obrigado, policial. Estou indo para o local..."

Não é incrível como a gente age de um modo artificial quando fala com policiais? Eu, particularmente, me sinto em algum filme qualquer. Sou capaz de frases do tipo "Esta cidade está bastante violenta, não? Os bandidos estão cada vez mais ousados...". Sim, mais do que estúpidas, são frases que não dizem nada. Mea Culpa... eu não sei ter conversas inteligentes com policiais.

De qualquer modo, fui para o local. O carro estava inteiro. Ao menos tão inteiro quanto estava antes, o que não quer dizer que estivesse realmente inteiro. A única avaria novata entre as veteranas avarias do Brutus eram os fios sob o volante, arrancados para fazer uma ligação direta. Tentamos ligar o carro. O motor deu sinal, mas não funcionou. Chamamos o guincho do meu seguro então.

Quase uma hora e várias conversas estereotipadas depois, o guincho chegou. Colocamos o carro na caçamba do guincho e tocamos para a segunda DP. O motorista do guincho dirigindo à toda velocidade pelas ruas noturnas da cidade me fizeram ter pensamentos nada divertidos de ver, pelo retrovisor do guincho, meu carro voando da caçamba. Ok, tive um pensamento divertido, confesso. Fiquei pensando o que aconteceria se a polícia nos parasse e apreendesse o guincho. Meu carro seria apreendido junto? Isto é... se o atraso do IPVA do carro já não fosse o suficiente para providenciar a apreensão dele. Foi então que me toquei que estava levando para uma delegacia o meu carro com documentação irregular. Foi tão gostoso quanto levar choques elétricos no ânus...

Chegamos enfim à delegacia. É desnecessário dizer como delegacias são surreais. Quando pisei naquele lugar, em meio a policiais mal humorados pelo sono e pela prática de seus empregos, senti que meus dias iam mesmo de mal a pior. Deu até pena de mim mesmo, tadinho de mim...

E foi então que, de repente, o absurdo da noite começou a ficar tão grande que... me libertou.

Primeiro entram um pai e uma filha (e, diga-se de passagem, uma bonita filha), e dividem com o policial (e com o duende xereta, que escutava por detrás deles) seu intento de registrar um boletim de ocorrência "que não fosse mandado para a justiça" a respeito de um tapa dado pela tia da tal bonita filha nesta mesma. Quando olhei à volta, vi o bêbado algemado ao banco chorando e pedindo ajuda para a "mamãe que tava no céu", o agente do Detran vestido que nem um tripulante da nave estelar Yamato, a cara de desconsolado do motorista do guincho que portava o Brutus.... e quando vi minha própria cara na minha imaginação... eu COMECEI A RIR.

Não conseguia parar de rir de tudo. Dos dois bibinhas que chegaram para registrar uma ocorrência sobre uma briga onde um deles havia levado um tapa e "saído voando", segundo o depoimento do mesmo. Da família muito arrumada, muito digna, que se empilhou no guichet para fazer alguma denúncia muito secreta, do bêbado que se alternava em xingar os policias e chamar a mãe... a desgraça humana parecia tão absurda, e tão vívida, naquele local que não podia deixar de parecer uma piada. A minha própria situação era uma piada, com meu carro em cima de um guincho, sem dinheiro para consertá-lo, de madrugada, cansado...
Os Deuses deviam estar rindo. Decidi rir junto com eles.

Terminados os procedimentos da delegacia (onde por sorte meu carro NÂO foi apreendido, e nem eu fui preso por ficar dando gargalhadas sozinho dentro de uma delegacia). fomos, ainda na madrugada, fazer a vistoria do carro. Os dois vistoriadores pareciam saídos de algum filme satírico. Um era alto e largo, silencioso, com cara de quem estava achando tudo muito engraçado (inclusive minha cara de solícita vítima de furto). O outro era baixinho e tinha uma careca crescente, com um revólver com cabo de madre-pérola enfiado no cós da calça, e DEFINITIVAMENTE estava achando tudo muito engraçado. Vê-los vistoriando o carro em cima da caçamba do guincho me fez rir por mais um bom bocado de tempo.

Por fim, de repente, me vi sendo conduzido pelo motorista do guincho até o depósito dos carros, onde esperaria um taxi. Lugar escuro, longe de tudo, soturno. A situação poderia parecer assustadora se eu parasse para pensar nas possibilidades. Mas não. Eu estava achando tudo muito engraçado. Por fim, terminei sentando em uma poltrona furada, em frente a uma televisão que passava algum especial da Globo muito sensasionalista sobre Experiências de Quase Morte, e pensando em como nossos medos são absurdos e meio ridículos. A vida é absurda, temê-la não muda nada. Transformei algo que poderia ser uma via crúcis para minha cabeça de ex-menino-mimado em um circo.

No fim das contas me toquei que os policiais foram muito legais em liberar meu carro. O cara do Guincho foi muito legal em me acompanhar por TODO o trajeto, sem descarregar o carro um só minuto, sem reclamar, mantendo ainda o bom humor tipicamente carioca. Os vistoriadores foram deveras divertidos... e o taxista me pareceu tão honesto que fiz questão de pegar o seu cartão.

Hoje amanheci quase automotizado, porém pedestre por opção. De repente percebi o quanto carros dão trabalho e dor de cabeça. O conserto do "pequeno" avario no Brutus ficou por volta de quinhentos reais. Dinheiro que eu não tenho, claro. Mais um empréstimo em vista. A melhor parte do dia foi, depois de largar o Brutus na oficina, pegar um ônibus e vir para o trabalho namorando as nuvens...

De que importam os problemas? A vida é mesmo divertida quando vc entende a piada. :)



P.S. o post é longo, auto referente e não tenho certeza de que seja interessante. Deu vontade de contar a minha noite de ontem. Se servir para alguma coisa, ou para alguém, fico feliz. Sorria. A piada é com vc também. :)

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