Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

quinta-feira, 7 de julho de 2005

Excreções, secreções, escritos e explosões...
pensamentos de banheiro sobre literatura, terrorismo e envolvimento...

Estava eu sentado em um lugar privado, (re)lendo meu exemplar de Trôpico de Câncer (de Henry Miller). Uma urgência me assaltara por todo o dia, por baixo dos panos cinzentos de meu banzo. A urgência de escrever somada à urgência de dizer alguma coisa sobre os atentados que aconteceram em Londres. De uma só tacada (ou melhor e mais escatológicamente dizendo, de uma só cagada) eu resolvi os dois dilemas.

Antes de mais nada as primeiras coisas; escrever. Escrever é um ato enigmático. Não se resume a nada, nem à técnica nem à inspiração, e muito menos ao suor. Escrever é uma coisa que vem de dentro, mas que a princípio também agrega coisas de fora, e vem de um jeito especial que nem se manifesta naturalmente nem é completamente controlado. Escrever é foda.

Algumas vezes escrever é algo natural para mim. Brota, como brotam as secreções e excreções, e em momentos igualmente variados em prazer e satisfação. Por vezes gosto do que escrevo, fico satisfeito e preenchido. Por vezes acho que é uma merda, mas era uma coisa necessária (como a merda) e simplesmente gravo e guardo e sigo minha vida. Por vezes não sai nada, e aí começa o problema. O que fazer quando se quer escrever, se sente que precisa escrever até para conseguir confirmar para si mesmo que ainda se é um escritor, um artista, e nada sai de seus dedos (exceto o suor frio, fruto paradoxal do esforço infrutífero)?

Talvez o problema esteja justamente na idéia de que se TEM que escrever. E, mais do que isso, na idéia de que é a escrita que faz o escritor. Pensar que um escritor tem que escrever sobre tudo aquilo que o toca de uma forma ou de outra (e até sobre o que não toca) é querer transformar o escritor em galinha poedeira de idéias e sentimentos. Não me sentindo confortável nas duras penas cocoricomórficas de galinha poedeira de palavras, percebi onde é que tava doendo. Escrever por escrever, por achar que você deveria estar escrevendo, é como sentir dor de barriga e ir ao banheiro, na esperança de estar apenas com gases. Por vezes você não quer e não precisa escrever. Não há nada a dizer, apenas está vivendo. Tentar escrever mesmo assim só vai trazer a tona dor e palavras de merda. Assim como no exemplo do banheiro, só que neste caso VAI ter merda e isso é indesejável.

Por vezes (e isso acontece com muitos de nós, escritores) na necessidade de escrever vamos buscar inspiração aqui e ali. Quando sai o resultado tudo que temos é um macaqueamento de má qualidade de algum escritor que gostamos. Tudo que temos é emulação, quando não há verdadeira inspiração. Não dá, então, para escrever por que achamos que temos que escrever. Nós, que escrevemos, o fazemos por necessidade, vontade, tesão ou qualquer outra coisa que não a idéia de que deveríamos estar escrevendo naquele momento. Toda falsificação é, por natureza, falsa. É necessária uma boa dose de verdade até para se escrever fantasia. Sentimento é verdade.

E então chegamos aos atentados londrinos. Eu pensava ter que dizer algo a respeito, e de fato me parecia ter mesmo. Mas então me ocorreu que:

1 - não estou em Londres.
2 - nunca fui a Londres (ok, sanei a curiosidade de alguns agora...)
3 - a última vez que entrei em um metrô foi há 15 anos, e ele não explodiu.
4 - eu não conheço ninguém que estivesse nas estações
5 - eu não sou um grande fâ da causa terrorista, e muito menos da causa britânica.
6 - a maior explosão que vi pessoalmente foi a de uma bomba caseira que eu e meus amigos fabricamos aos 10 anos de idade.
7 - eu já vi pessoas mortas, mas nenhuma delas estava retalhada por uma explosão.
8 - a mídia tradicional inglesa consegue deixar uma marca indelével de fleuma no relato da explosão, tornando-a tão emocionante quanto a vida pessoal da rainha.
9 - eu nunca me interessei pela vida pessoal da rainha inglesa. ela é velha e murcha.



logo...

EU NÂO SINTO NADA A RESPEITO DOS ATENTADOS.

De fato não estou sentindo nada a respeito de nada.
(exceto o eco que faz quando eu falo dentro do meu fosso particular)


bem. é isso.
vou sair para cortar o cabelo e viver um pouco.
quem sabe tudo mude. ou não.

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