Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

quarta-feira, 30 de junho de 2004

O Cavaleiro e o Dragão (Segunda Parte)
Uma das fábulas internas do Duende.

Leia a primeira parte de O Cavaleiro e o Dragão




"Não é fácil montar um dragão. As escamas que cortam suas mãos, o movimento do pescoço viril a cada batida de asas e o vento que ameaça derrubá-lo ao mesmo tempo que o excita. O medo da altura e o medo da fera. Amarath sente a sua excitação se dissolver lentamente em pavor, mas ele não pode parar. Ele é um Cavaleiro, um montador de dragões, um membro da mais alta casta digno agora do mais alto respeito, e está muito alto nos ares também para desistir. O dragão, sorriso de mil dentes abertos ao vento em um prazer draconiano ao cortar os ares, parece divertir-se. O vento seca as lágrimas de Amarath.

É solitário no topo do mundo. O mundo que ele conhecia agora está atrás e abaixo, as montanhas o encaram como um igual, mas ele sente-se muito pequeno. Vilas, rios, árvores, vidas passam lá embaixo enquanto ele apenas se agarra ao tronco de escamas verdes no qual está montando. Sua respiração entrecortada e difícil, lágrimas, vento e o cheiro de cinzas tomam o seu corpo. Ele pensa na vida que tinha, no treinamento de cavaleiro, em todas as dificuldades que enfrentou para estar alí, e então todos os seus pensamentos são interrompidos pelo esforço de manter-se seguro ao dragão quando este descreve uma curva descendente. O vento leva os pensamentos de Amarath.

O mundo distante do lá embaixo parece crescer de forma estonteante. A clareira entre as montanhas, suas árvores talvez balançando ao vento (ou será a trepidação do corpo do dragão ao cortar o ar cada vez mais rápido?) e o altar de pedra. A cabeça de Amarath dói, assim como suas pernas desacostumadas ao esforço de manter-se no dorso de um dragão em vôo rápido por tanto tempo. Ele se lembra da noite, que pode ter sido há horas ou dias atrás, em que viu o dragão pela primeira vez. E então apenas se agarra com todas as forças quando sua verde montaria estica as pernas para pousar no chão entre as colunas de pedra e as enormes árvores. Amarath não chora mais, está além de todos os sentimentos de menino. Ele apenas está lá. Ele e seu dragão.

Ele sabe que deve deixar o dorso do dragão agora. Sustentar-se novamente com suas pernas. Mas elas recusam a sustentá-lo e nos primeiros passos de Amarath em terra firme, ele realmente encontra a terra. Deitado de costas com o céu azul sem nuvens como sua única visão, ele sente um turbilhão de sentimentos confusos aproximando-se como gralhas sobre a carniça de sua alma de menino. Um som terrivel, raspado, de pedras se arrastando e carvões chiando em fornalhas corta os pensamentos de Amarath. O dragão está rindo.

- "É agora que começa, menino. Levante-se." Disse o dragão. Sua voz era grossa e um pouco rouca, e também parecia feita de pedras e carvões, e ao mesmo tempo também parecia meio verde.

Amarath sabia. Sabia onde estava e o que aconteceria agora. A primeira parte do aprendizado de cavaleiro, montador de dragões, se dava entre os homens. A segunda parte e o teste final acontecia em uma das muitas clareiras antigas das montanhas. Dragão e seu cavaleiro, ali, selariam seu pacto. Amarath se levantou, vertendo uma última lágrima de medo e emoção, sob o olhar verde e alaranjado do dragão. Dalí o menino sairia morto, uma lembrança. Dali sairia um dragão e um cavaleiro, ou apenas um dragão.

Assim era a tradição do povo de Amarath. Então alguma coisa nele sorriu. Era o dragão."


Esta fábula continua...

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