Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

sábado, 26 de julho de 2003

Quase.
Sempre fica no quase.
Domingo, oito de Junho, 23h45.
Estava eu no banheiro, com 38.6ºC de febre, me preparando pra tomar banho.
Abri o armário do lado do espelho pra guardar uma pulseira...e o que vejo? Uma lâmina de barbear, novinha, afiadíssima, parecia me chamar.
Peguei a lâmina, fui pra baixo do chuveiro, coloquei a lâmina em cima do sabonete e fiquei ali, molhada, olhando pra ela.
Dai comecei a pensar (pensar..isso sempre fode com tudo). Pensei em toda aquela merda que passa pela cabeça num momento pré-possível-tentativa-de-suícidio: meu pai, minha mãe, o resto da família, as coisas na escola, a cara dos professores e da coordenadora ao saberem que eu tinha me matado, a reação dos meus colegas quando recebessem a noticia, o pessoal que me detesta fingindo que gostava de mim só pra parecerem bonzinhos.
Dai pensei que eu ia morrer sem poder dar um tapa na cara da Maíra e sem cuspir nela e na Giovana. Eu ia morrer sem ter dado um tapa na bunda do filho-da-puta do Thiago, sem dizer pro Rafael R que ele mudou minha vida desde que a gente ficou amigo, sem dizer pro Costela que ele é o cara mais estranhamente maravilhoso que eu já conheci, sem dizer pra Vanessa que eu amo ela, sem dizer pra Mariê que ela é uma porra-louca que eu não entendo mas adoro, sem dizer pra Marcela o quanto ela é maravilhosa e sem dizer pro Imamura que ele é o meu deus.
Então pensei que eu podia muito bem morrer assim. Ia ficar sem ter dito esse monte de coisa, mas eu ia morrer. E isso bastava.
Peguei a lâmina.
Fiz só um cortezinho na parte de cima da mão, pra ver se tava afiado mesmo.
E tava. Cortou. Ardeu. Doeu. Sangrou. Eu chorei.
Não sou nem um pouco resistente à dor.
Eu cheguei a encostar a lâmina na maior veia que encontrei no pulso direito (não foi dificil, sou do estilo branquela-fantasma).
Cheguei a quase me cortar fundo...
Quase.
Só ficou no quase.
Sempre fica só no quase.

Escrito por Shelby do blog "O Obvio Ululante que Pulula nas Mentes Humanas e Não Humanas Também"

Existe uma beleza nos suicidas que nada no mundo consegue superar...
Principalmente naqueles que não se matam.

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