Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

domingo, 20 de julho de 2003

Quando o que havia se vai sempre fica alguma coisa.

Em homenagem a todos aqueles que sofrem de saudade, ou tentam entender os finais de ciclos...

Hoje, enquanto fumava um ocioso cigarro em meu quarto, reencontrei um livro no limbo da minha estante. Era um exemplar quase novo, pouco lido, de A Ponte Para o Sempre, de Richard Bach. Sua primeira página havia sido arrancada, assim como outras duas páginas posteriores. Sim, eu sabia o motivo desta agressão, eu mesmo a havia feito. Este livro havia sido comprado em conjunto com uma ex-namorada, continha dedicatórias e juras de amor eterno. Com o naufrágio da relação, em meio às dores da partida, eu as arranquei como tantas vezes arrancamos coisas belas concretas ou abstratas de seu lugar quando elas nos trazem dor. Como o ocioso cigarro, estes 5 minutos de convite à reflexão ou ao nada, se alongava, comecei a pensar sobre o porque destes nossos atos de vandalismo emocional. Do que eu tive medo? O que me machucava tanto? O fato de ter sido bom no passado, e então ter acabado? Eu tinha então medo de assumir que a vida pode mudar, para melhor ou para pior? Talvez o buraco fosse mais embaixo.
Recostei-me, ou tentei me recostar, na minha cadeira de encosto duro enquanto fitava o livro como algo estranho e novo, um presente de algum deus esquisito. Suas paginas, excetuando aquelas que foram arrancadas, estavam intactas... este livro só foi lido uma vez, e por uma pessoa, embora comprado em conjunto. Comecei a me recordar do momento em que foi comprado. Um momento de crise na relação, um momento de se agarrar em qualquer coisa que fosse para acreditar que ia funcionar. E a mensagem do livro dizia justamente o contrário, sobre como as coisas são como são, e que devemos acreditar que um dia serão como queremos, ou ainda melhores. Pouco depois a relação naufragou de vez e nada dela puderam se salvar, exceto as lembranças. E o que fiz com as lembranças? Rasguei fotos e joguei fora roupas (ou mesmo as doei para instituições da caridade, à guisa de ser racional e razoável, coisa que nunca fui), guardei cartas dentro de caixas que jamais abri e arranquei as dedicatórias em livros e panfletos de shows. Uma tentativa de se livrar da dor? Não, mais do que isso, uma tentativa de negar que podemos ser tão felizes, acreditar tanto que agora nossa vida será assim tão boa, e depois ver tudo cair por terra. Eu disse cair por terra? Perdoem-me, certos vícios de pensamento são mesmo tenazes. Pensemos bem: Quando naufraga uma relação tudo se perde? As boas lembranças, aquilo que você aprendeu e descobriu sobre si, o tempo que você empenhou em fazer aquela engenhoca funcionar, tudo se perdeu? Será então tudo uma perda de tempo, já que neste mundo tudo surge para um dia acabar? É preferível pensar que não. É preferível pensar, como os simpáticos pensadores Zen, que a vida é atual e que o passado não deve ser trazido para o presente, e nem o futuro. Quando uma relação acaba talvez seja melhor lastimar menos o fato de que coisas boas podem acabar e festejar mais o fato de que coisas boas podem acontecer. Mas me desvio então de meu assunto principal, o motivo de ter arrancado aquelas páginas, não é? Talvez. Mas de que vale ser um livre pensador se não se pode pensar livremente?
Alguns de nós vivem o eterno agora, e são duramente criticados por aqueles que insistem em viver constantemente o próprio continuum temporal. Há pessoas que moram no próprio passado e vivem revisitando lugares e pessoas, e morrendo de saudades. Outras moram no próprio futuro, e estão sempre fazendo projetos e nunca se deleitando com o próprio sucesso, se matando de trabalhar. Há ainda aquelas pessoas que insistem em estar em qualquer lugar, menos no agora, e estas são aquelas que mais se questionam se estão vivas. Às vezes o momento atual nos reserva uma grande dor, por que não? Sempre haverá a dor, e sempre haverá o prazer. Mas se a dor está no presente e uma lembrança de prazer no passado, adiantaria tentar fugir pro passado? Ou ainda, a promessa de prazer no futuro pode nos fazer gozar? A alguns pode, e a estes eu recomendaria que aprendessem a transar direito, pois gozar no futuro é coisa de neurótico, ou de viajante temporal. O fato é que tentamos negar o nosso presente ainda mais freqüentemente do que tentamos negar o nosso passado. E o que fazia eu então, ao arrancar as paginas deste livro que estava em minha mão há minutos atrás (e não está mais, pois eu acho difícil digitar e segurar um livro ao mesmo tempo)? Fazia justamente isso, tentava negar o fato de que a relação não existia mais. Tentava negar o presente.
O tempo passou depois disso, e obviamente amei de novo, não igual, mas diferente, não mais ou menos, mas de outro jeito. Hoje, quando peguei este livro ele não me causou mais dor. Foi até engraçado, uma lembrança doce que por hora me fez lembrar do passado, e me fez rir de minha própria cara (ou da cara que eu imagino ter feito) ao rasgar estas paginas. Folheando o livro, eu me lembro de sua mensagem, de cada amor que o personagem vive e vê naufragar ao longo da estória, até encontrar finalmente a mulher que o compreendeu e aceitou, e acompanhou. Curiosamente o livro me dizia o que eu devia ter entendido na época, mas não entendi. A vida vale a pena, a cada minuto, quando você sabe o que está buscando. Como diz um velho ditado, no fim das contas só temos realmente aquilo que estamos prontos pra perder. O que estamos perdendo, ou apenas deixando passar, o tempo todo são momentos. Não devemos nos apegar aos momentos felizes e nem fugir dos tristes, pois todos eles vão passar e o que vai ficar sempre é aquilo que estes momentos fizeram conosco. Curiosamente foi justamente neste livro que ficaram escritas as maiores juras de amor eterno que aquela menina me fizera. Hoje entendo, mesmo que estas não mais estejam escritas no livro, que juras e amor eterno não se referem à eternidade do tempo, mas a eternidade do momento dentro do ser que as profere. Certamente esta menina nunca soube o que estava falando quando as fez, e eu, não sabia o que elas realmente queriam dizer. Hoje, acho que sei, e duas coisas me fazem feliz neste momento: Eu sei que posso ser feliz, e ainda bem que eu não arranquei as outras paginas do livro.
Para alguns estas idéias podem ser apenas divagações sem muito sentido, para outros, elas podem ter algum sentido. O que importa é que para mim elas fazem todo o sentido. A vida é feita de momentos, e isto é o que eu queria dizer agora. Hoje eu parei de ter medo do futuro, e vontade de fugir do passado. Hoje eu mergulho no meu momento e faço o que quero. Esta é parte da minha história. Alguém se identifica com ela?


Daniel Carvalho

(antes que alguém pergunte, eu e bibba vamos muito bem obrigado. Este texto foi escrito há alguns anos, mas é sempre atual para aqueles que vivem um momento como o retratado no texto. Dizem que já inspirou algumas voltas por cima, e então fiquei convencido de que estas palavras podem ajudar. Se estas palavras tiveram algum sentido para você, contanto que as tenha lido do inicio ao fim, deixe um comentário. Isto me fará ainda mais feliz...)

Love, Life and Understanding the beggining and the end of things...

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