Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2005

Confusão Digital
Algumas pessoas parecem não entender do que se trata Software Livre e Cultura Livre, e parecem não se libertar de velhas lutas que já perderam o sentido e a graça.

Deu ontem (1/2/2005) no Painel do Leitor (Folha de S. Paulo) (meus comentários vão em itálico)

"O debate "Revolução digital: software livre, liberdade de conhecimento e liberdade de expressão na sociedade de informação", estrelado pelo ministro Gilberto Gil no 5º Fórum Social Mundial, pareceu-me fora do contexto geral do evento. Um dos princípios do Fórum Social é impedir o domínio do sistema capitalista no mundo. Conclui-se que, se não são capitalistas, só podem ser socialistas. A internet não nasceu em nenhum dos "bastiões da liberdade", como a ex-URSS, a China ou Cuba. A internet nasceu nos EUA. A internet é a consagração do exercício do individual, da liberdade. Ora, qual socialismo é a favor da liberdade individual? Mesmo a discussão a respeito do software livre, que pode causar prejuízos para a Microsoft, se dá no âmbito do mundo capitalista, do qual o Brasil faz parte. Aproveito a oportunidade para sugerir ao ministro Gilberto Gil a elaboração de um manifesto, subscrito pelos organizadores do FSM e da sociedade em geral, exigindo o livre acesso dos cidadãos à internet em todos os países, inclusive em Cuba."
Valério José Gianini, presidente do Partido dos Internautas (São Paulo, SP)


Fora de contexto está este cidadão, que parece que ainda não saiu do século XX e nem da banda burra do movimento estudantil. A dualidade Capitalismo X Socialismo pertence a uma lógica que se tornou caduca nos dias atuais. O que há é o controle corporativo e governamental (que por vezes se confundem) se contrapondo às iniciativas individuais e organizadas de livres pensadores que buscam uma organização social e do trabalho menos verticalizada. O conceito que defendemos é o da emergência, caro vermelho, e não Socialismo ou Capitalismo. E eu não me lembro de ser representado por nenhum partido (quiçá um Partido dos Internautas). Partidos são coisas de quem vê o mundo partido e não inteiro.

"A história é mesmo um pêndulo de Foucault ou uma espiral de Pietro Ubaldi. A esquerda está no poder e adora distribuir benefícios alheios. O ministro Gilberto Gil defende o software livre, e eu defendo que ele abra mão dos direitos autorais de suas músicas. Não é justo? O ministro pode fazer doações e ajudar pessoas com aquilo que ele produziu, e não utilizar seu cargo para sugerir apropriação de bens alheios. Todo socialista é assim: pensa em tirar de uns para distribuir a outros, desde que não se tire o que a ele pertence. E, no final, ele aparece como o Robin Hood do terceiro milênio, com toda a pompa."
Peter Meyer (São Paulo, SP)
Hoje (2/2/2005)


E o que tem a ver o cu com as calças, mr. Peter? Não se trata de tirar nada de ninguém, mas sim de tecer uma cultura e um modo de trabalho livres, onde os produtos são bem comum e visam o crescimento dos grupos e da sociedade em vez do enriquecimento de alguns. Os direitos autorais das músicas do Gil não pertencem (como vemos na resposta lá embaixo) a ele, em sua maioria. Só podemos dar o que temos, sob o risco de incorrer no erro de "dar o que é dos outros para fazer bonito". E a ideía de fazer doações me soa um bocado populista, outra coisa que é antiga como o capitalismo e o socialismo. A idéia agora é agregar pessoas em prol de causas quão vão além do protesto. Causas produtivas e movimentos que realizem algo, como o movimento do Software Livre e outros tantos movimentos culturais que se encontravam representados no tão falado FSM.

Vamos então às respostas dadas pelo Sérgio Leitão (que é acessor de nosso Ministro) e do Tiago, que concorda adoravelmente com as minhas colocações...

Fórum, inclusão digital...
"Em cartas publicadas ontem nesta seção, os leitores Peter Meyer e Valério Gianini teceram comentários equivocados a respeito da participação do ministro Gilberto Gil no Fórum Social Mundial. Diferentemente do que afirmou Gianini, não consta entre os objetivos oficiais do evento o de "impedir o domínio do capitalismo no mundo". O Fórum consolidou-se como um território livre de debates, em que múltiplas visões sobre múltiplos temas são compartilhadas. Trata-se de um espaço plural de convergência e de divergência, adequado para discutir o software livre, a inclusão digital e a diversidade cultural. E, ao contrário do que afirmou Meyer, não há contradição entre a defesa do software livre, feita pelo ministro, e a gestão dos direitos autorais do compositor Gilberto Gil. Em primeiro lugar, porque software livre não é sinônimo de pirataria. Os programas de uso livre ou com restrições parciais de uso são feitos para serem distribuídos e usados assim, com autorização expressa de seus autores. Em segundo lugar, porque o artista Gilberto Gil tem defendido e praticado novas formas de gestão de direitos autorais. Ele acaba de liberar para uso público, dentro de um projeto da revista "Wired", uma das poucas músicas sobre as quais tem pleno direito."
Sérgio Sá Leitão, assessor do Ministério da Cultura (Brasília, DF)


"Gostaria de corrigir uma grave imprecisão contida na carta de Peter Meyer publicada ontem nesta seção. Software livre não é, em nenhum aspecto, apropriação de bens alheios. Sugiro fazer uma consulta ao site www.gnu.org/philosophy/free-sw.pt.html, da Free Software Foundation. A comparação com a cessão dos direitos autorais de um artista e a analogia com o socialismo são baseadas em premissas simplesmente falsas. A divulgação dessas incorreções factuais, que vão além da pura expressão de uma opinião, prejudica a compreensão do que é o software livre e de como ele vem transformando a indústria do software. Gostaria de acrescentar que fico estarrecido com os contornos de "guerra fria" que vêm sendo dados ao assunto e que estão patentes nas duas missivas publicadas ontem."
Tiago de Jesus (São Paulo, SP)





Eu fico impressionado como frente a uma direita corporativa e nefasta tenhamos que contar com alguns membros da "esquerda" tão "esquerdos" quanto estes. Bem vindos ao século XXI, meus amigos. :)

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