Sobre o acidente do JJ 3054 da TAM, e sobre os posts que não consigo escrever...
Eu acho que já estava ficando meio alto de cerveja e alegria no velho -- e caquético -- Barzão quando uma amiga chegou me avisando do acidente em Sâo Paulo. Pouco se sabia até então sobre o Airbus da TAM que havia passado direto pela pista, se chocado com o depósito de cargas da mesma empresa e explodido matando todos os passageiros. Foi a primeira vez que vi a televisão do bar, geralmente usada como monitor do circuito interno (vocês já viram boteco com circuito interno de TV? pois é...) ser sintonizada em um canal de TV aberta. Lá estava o prédio em chamas, e a coisa parecia ser muito séria e pesada.
Logo que cheguei em casa, e pelos últimos dois dias, li todas as matérias de todos os jornais sobre o assunto. Rodei a blogosfera, absorvi todas as informações possíveis. Conversei com um ex-piloto que havia trabalhado com o co-piloto do avião acidentado, rodei sites sobre teoria aeronáutica...
em suma, fiz todo o dever de casa de um bom blogueiro para se escrever um post polpudo sobre o assunto.
Mas, quando me sentei para escrevê-lo... não saiu.
Foi então que entendi que tenho um sério problema com a obrigatoriedade de escrever posts. Ter que escrever alguma coisa é quase garantia de me ver não querendo escrever nada. E no que tange ao trabalho criativo, não querer é próximo de não fazer. E assim, nada de "post sobre o acidente".
E nem preciso dizer nada. O Intermezzo (e a Intermezzo-Lista) já fez uma excelente cobertura da história (desde o princípio, falando de micos dos jornais, comentando a cobertura estrangeira, e dando updates do assunto na midia), o Alex Primo já apontou o dedo nas burradas cometidas pela globonews, o assunto apareceu lá no Global Voices em Português também, e outros blogueiros já escreveram bons textos sobre o assunto.
No fim das contas, tudo que tenho a acrescentar está na conversa que tive por email com o meu amigo aviador Z.C., da qual reproduzo alguns trechos abaixo:
Duende: Segundo os jornais, os peritos acreditam que que o acidente pode ter sido causado por um toque tardio (além da marca de 1000), ou pela perda do controle do avião por parte do piloto.
Z.C.: Possivelmente o toque ocorreu após a marca dos 1000 pés (300 mts.). Ele, também, estava muito veloz, fato que piora sobremaneira a situação. Acredito que o avião estava pesado, próximo ao peso máximo de pouso. Acho que ele pode ter perdido o controle durante a freagem devido aquaplaning, mas não devido à arremetida. Não creio que ele estivesse arremetendo. Para mim ele tentou parar a aeronave dentro da pista e, quando viu que não ia dar, tentou um "cavalo de pau" para não cair de frente no viaduto sobre a Av. Bandeirantes. Ele tentou quebrar de lado, entende ?
Duende: Afirma-se que o piloto arremeteu ao final da pista, mas não conseguiu decolar. O relato de que ter-se-ia ouvido no rádio os gritos de "vira, vira, vira" do co-piloto corrobora isso, principalmente se a informação de que na verdade ele estaria gritando "gira, gira!!" (o que no jargão, corrija-me se eu estiver errado, significa "girar" o nariz para cima para decolar) for verdadeira.Z.C.: É bem possìvel que o co-piloto tenha gritado "vira-vira etc". Esse garoto era muito bom profissional. Foi meu co-piloto no 737 na Varig e era bem acima da média. Só não entendo porque os gritos dele saíram na fonia aberta. Alguém abriu o microfone dentro da cabine. Aliás, acho que aquela cabine estava lotada de gente e que foram quebrados alguns procedimentos operacionais devido à interferências e desatenções.
Duende: Mas a arremetida faria sentido apenas no caso da primeria hipótese (toque tardio).
Z.C.: Correto.
Duende: Não se tenta arremeter e decolar em uma situação de aquaplanagem ou perda de controle na pista, não é?
Z.C.: Absolutamente correto, mas em aviões pequenos até dá para pensar numa arremetida
Duende: Por outro lado, o aumento da velocidade pode ser dado à perda de aderência que prejudicou a frenagem e levou o avião a voltar a acelerar? O "vira vira" ouvido no rádio pode ter sido uma tentativa desesperada de tentar dar um "cavalo de pau" no avião? Isso não fez sentido pra mim.
Z.C.: Mais uma vez, acho que vc está correto.
Duende: Resumindo... se o piloto perdeu o controle do avião, por que acelerou?
Z.C.: Não creio que ele tenha acelerado, acredito mais que ele tenha entrado veloz e que tenha tido dificuldade de parar o avião dentro da pista.
Duende: Se o avião acelerou por causa da perda de controle, o que quereria dizer o 'vira vira'? se tocou tarde, por que não consegiu decolar de novo? acredito ser relativamente normal se abortar um pouso por um toque tardio, não?
Z.C.: Ele só tentaria uma arremetida se fosse logo após o toque, antes de armar o reverso. Não conheço muito bem o automatismo dos Airbus; voei muito a linha Boeing, mas depois que se arma o reverso dos motores não se recomenda tentar uma arremetida, especialmente em Congonhas onde as condições são críticas.
Duende: Além disso, você acredita que estas afirmaçoes preliminares que chegaram na midia, culpando os pilotos ou eventualmente o aparelho, podem ser uma tentativa de acobertar a irresponsabilidade da Infraero em liberar a pista?
Z.C.: Com certeza !!
Duende: Será que o piloto errou mesmo, ou foi totalmente vitima de uma pista péssima e perigosa em tempo ruim?
Z.C.: Pode ser que o cara tenha errado e eu acredito que ele tem grande parte da responsabilidade, mas, como já lhe disse, um acidente ocorre devido a uma série de eventos e fatores que culminaram naquele momento, provocando aquele acontecimento. As condições da pista, tenho certeza absoluta, foram fatores determinantes para a ocorrência do acidente.
Duende: São muitas perguntas né? Mas estou escrevendo uma matéria a respeito e acredito que suas respostas podem me dar uma luz.
Z.C.: Espero ter esclarecido alguma coisa.
Em um outro email, este mesmo amigo também me passou suas impressões depois de assistir os vídeos da câmera do aeroporto:
Duende: Pelo que eu entendi, a hipótese da perda de controle da aeronave depois do toque é a mais razoável. Esta perda de controle teria acontecido por vários fatores, como o tempo, as condições da pista, o peso do avião, eventuais falhas do piloto... e depois disso, tudo que aconteceu foi uma tentativa desesperada por parte dos pilotos de se parar a aeronave, sem sucesso. A curva para a esquerda descrita pela aeronave ao sair da pista, atravessar a avenida e bater no depósito, pode se dar então à uma tentativa frustrada do piloto em "quebrar de lado"?
Z.C.: Isso mesmo, Daniel.Acho que ele tentou dar um cavalo de pau, mas, diante do vídeo que assisti faz pouco tempo no Jornal Hoje, pode ser que ele tenha tentado uma arremetida desesperada. Parece que ele já tinha acionado os reversos e, ao perceber que não ia parar na pista, tentou uma arremetida já quase na cabeceira oposta. Digo isso por que, pouco antes do impacto numa filmagem feita pela Infraero, aparece uma labareda de fogo saindo da turbina esquerda. Isso pode ter sido provocado por um "overbooster" de combustível, o que provocaria um "stall" de compressor com consequente perda de potência naquele motor (esquerdo). Nesse caso, a aeronave tenderá a girar para o lado onde haja menos potência (esq.), visto que cria-se um momento de torção lateral entre o motor direito (full power) e o motor esquerdo (sob "stall").Minhas questões ainda persistem:1- Quem abriu o microfone ?2- Havia excesso de velocidade na aproximação.3- Se havia potência de arremetida o avião deveria ter entrado voando, jamais se arrastando sobre o solo, mesmo após a queda desde a cabeceira. A distância é muito pequena, por isso ele deveria ter voado, a menos que estivesse com o "speed brake" e os reversos acionados, entende? Nesse caso ele estaria tentando parar o avião e não arremetendo.O vídeo deixa essa dúvida.
Por hora é isso.
Aproveito a oportunidade para dizer que me solidarizo com a dor de todos os familiares e amigos das vítimas deste terrível acidente. Passei por Congonhas umas 6 vezes em minhas idas e vindas do Rio para Brasília, e em uma delas o avião em que eu estava chegou a derrapar um pouco na hora do pouso. Eu pude ver, neste dia, os prédios próximos ao fim da pista e pensar em como seria terrível um acidente ali. Isso foi uma das coisas que mais me chocou ao saber deste acidente. Eu estive lá, e ele poderia ter acontecido comigo ou com qualquer um de nós. Para as vítimas, só podemos esperar justiça. Para os parentes das vítimas, força e serenidade sempre. E que a verdade sobre este acidente venha à tona e ajude a que sejam tomadas medidas para que isso não aconteça novamente, nem lá nem em nenhum outro lugar.
E no fim das contas, eu acabei escrevendo um arremedo de post sobre o acidente, não é mesmo?
Abraços do Verde.
4 comentários:
Caro Duende
Eu também só consegui escrever um breve post, muito mais breve que o seu, sobre o assunto.
Veja em http://parapeitodepapel.blogspot.com/2007/07/1000c-de-dor.html#links
Abraços
Agradecemos a referência.
Abraços,
Daniela Bertocchi
Eu fui seguindo este terrivel acontecimento na CNN desde as primeiras horas.
Aproveito este espaco para deixar aqui os meus sentimentos as vitimas e a todos os irmaos Brasileiros.
Olá Cintia. Dei uma passada lá no seu blogue, e deixei meu comentário por lá. É difícil falar muita coisa mais sobre esta situação. É absurdo demais, mesmo que seja uma tragédia anunciada...
Olá Daniela. Quero parabenizar novamente a você e à galera do Intermezzo pela grande qualidade do trabalho de vocês!
Olá Koluki. É um acontecimento chocante mesmo. Eu, que passei por aquele lugar há poucos meses, senti um frio muito grande no peito ao ver o que havia acontecido. Era uma tragédia anunciada, esperando para acontecer. A pena é que agora a mídia e a oposição política brasileira vão usar o sangue destes mortos para linchar moralmente o governo.
O Governo errou, e merece ser criticado. Mas o que começamos a assistir aqui é um uso político nefasto da tragédia, para tentar restaurar ao poder velhas raposas oligárquicas que nunca se importaram realmente com o povo. E o povo, claro, indignado com as mortes e com o acidente anunciado, parece disposto a cair no coro dos raivosos.
É triste ver como até as tragédias viram joguete político neste país.
Daniel Duende.
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