Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Católicos, protestantes, propriedade e roubo...

Estava conversando com o Lou Gold sobre a forma como o catolicismo pode ser um dos responsáveis pelo empobrecimento e subdesenvolvimento, com o efeito sutil que tem na mente das pessoas -- de fazer com que, em uma mistura de inveja e preconceito, algumas pessoas acreditem que todo mundo que ganha dinheiro fazendo algo diferente do que os trabalhos "comuns" (ser funcionário do governo, ou empregado de uma empresa, etc...) está roubando ou ganhando de forma injusta. Falava também sobre como a aceitação -- e a quase glorificação -- do lucro e da prosperidade nos meios protestantes e evangélicos das velhas e novas designações religiosas poderia ter um efeito contrário. Em suma, falava majoritariamente do "senso comum" a respeito da influência das diferentes religiosidades cristãs sobre o desenvolvimento e prosperidade dos grupos e povos (e, para variar, aproveitava para alfinetar os meus tão odiados católicos, mesmo que para isso tivesse que fazer uma defesa momentânea dos grupos evangélicos e protestantes, pelos quais também não morro de amores).

Mas Lou se saiu com uma resposta que não só me fez vez como eu estava errado, de uma forma que eu ainda não havia pensado, como também me fez entender que na verdade o que acontece é o contrário:
"Ver o enriquecimento como algo que provavelmente advém do roubo ou da corrupção não é algo tão errado, indiferente de que isso venha de um conceito religioso. Pois o que acontece é que o início de toda a propriedade, antes de qualquer enriquecimento ou pobreza, advém do roubo. Se em um momento tudo pertencia a todos, no outro, quando alguém tomou algo para sí e disse 'é meu', isso foi um roubo. Um roubo daquilo que antes pertencia a todos. Quando, então, a propriedade se estabeleceu e, com ela, a riqueza e a pobreza surgiram, muitos perderam a noção de que toda a propriedade surgiu, a princípio, do roubo. Talvez em sociedades mais 'sofisticadas', que por sua vez estão mais distantes da realidade anterior à propriedade, seja mais natural lidar com o enriquecimento ou, melhor ainda, com as várias formas de se enriquecer -- com ou sem o recurso à exploração do outro ou ao roubo. Mas em sociedades menos 'desenvolvidas' (no sentido do 'desenvolvimento ocidental industrial'), as pessoas estão mais próximas da antiga realidade que foi destruída pela propriedade. E talvez, então, lembrem-se bem melhor do que eu de que toda propriedade é, a princípio, fruto de um roubo. Isso não tem tanto a ver com a religião quanto tem a ver com o 'lugar' onde você está."

Isso me faz pensar também que as sociedades mais 'desenvolvidas' são também aquelas que mais roubaram das outras, agora chamadas de 'subdesenvolvidas'. Mais uma vez, indiferente da religião, a forma de enriquecer importa menos do que o fato de que quando alguém tem muito é porque alguém, ou vários alguéns, não tem mais o bastante -- por mais que exista fartura. Vale lembrar também que religiosidades que louvavam o enriquecimento e a acumulação são bem mais antigas do que o cristianismo. Veja os grupos semitas, por exemplo, que dedicam uma boa parte de seu misticismo e de sua ideologia religiosa à associação de seu Deus ao dinheiro, e da bondade deste à prosperidade, riqueza e poder secular. Em resumo, quando a propriedade virou uma questão religiosa, invariavelmente o roubo se tornou uma prática sagrada.

Em suma, não se trata, desta vez, de uma questão de religião. Ou ao menos não se trada de uma questão recente, de religiões "modernas". Trata-se, antes de mais nada, de uma questão de consciência, e uma questão bem mais antiga do que eu estava percebendo. Mesmo que a idéia não esteja mais formulada como antes, o enriquecimento, que só acontece em meio à uma realidade de propriedade individual, é fruto de roubo -- mesmo que não seja de um roubo recente, mas sim do roubo primordial que houve quando alguém disse "isso é meu, e você não pode mais usar".

Não pude deixar de blogar a idéia dele, mesmo sem ter refletido muito sobre ela ainda. Há tantas coisas na vida que a gente precisa anotar e voltar depois para refletir...

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