Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

sábado, 20 de maio de 2006

Por quê apedrejam a Francine?

Sendo tragado novamente para o assunto, se não pela minha consciência (e eu sei que não tratei o assunto adequadamente), ao menos pela quantidade de acessos que o Alriada vem recebendo por conta da menção do nome da pobre moça de Pompéia, me sinto chamado a fazer mais um post sobre a Francine Favoretto. Mas este será o último, com certeza.

Retomando o assunto de onde eu parei -- será que as fotos são mesmo montagem? A meu ver, e ao ver de quase todo mundo que conheço (e que conhece um mínimo sobre fotografia digital), não, elas não são. Apenas um especialista poderia fazer montagens como aquelas, e não acredito realmente que seja o caso. Afirmar que elas são uma montagem é um absurdo. Mas isso me leva a me perguntar o porquê deste absurdo. O que leva uma pessoa a negar o óbvio frente à turba presencial e virtual que ameaça apedrejá-la, e de certo modo o faz diáriamente?

A resposta desta pergunta está, a meu ver, contida na própria pergunta. Há uma turba querendo linchá-la (espero que apenas no sentido figurado, moral, mas não tenho mais tanta certeza disso) e não há como discutir com turbas. Posta inadvertidamente, aos olhos dos provincianos de Pompéia e do mundo afora, na posição de adúltera e "prostituta" ao ter aquelas fotos divulgadas, o que mais Francine poderia fazer? A discussão não era se ela tinha o direito ou não de transar com dois caras, ou se ela tinha culpa ou não da publicação das fotos. A questão parecia muito simples: se uma pessoa é fotografada transando com dois homens ela é uma puta, e se é uma puta merece ser xingada, cuspida e apedrejada (novamente, espero, que apenas moralmente... mas eu não duvido da estupidez humana). Que escolha teria Francine a não ser negar, então, que fosse realmente ela naquelas fotos?

A questão, novamente a meu ver (sempre a meu ver, este é meu blog, afinal), é outra. A questão é se faz algum sentido, ou mais, se é minimamente justo se condenar uma pessoa assim, apenas por quê ela se dá ao direito de transar com dois caras quando está afim. E eu coloco a coisa desta forma, se ela tem este direito, pois ao que parece ninguém questionou muito ou quis sequer criticar os dois caras que aparecem nas fotos. Foi apenas a Francine, transformada em "puta", e o namorado dela, transformado em "corno", e apenas eles pareciam merecer a agressão pública. Posto que não fiquei sabendo de atentados físicos contra o namorado (ou ex-namorado) de Francine, que até já desapareceu da mídia também, parece-me que a questão foi agudamente séria apenas para o lado dela.

É um absurdo se condenar uma pessoa por sua sexualidade. Não apenas um absurdo, mas uma hipocrisia também. Todas as pessoas saudáveis que eu conheço reconhecem que sexo é muito bom, e que quando se tem vergonha daquilo que se está fazando, é brochante. Mesmo aqueles que não reconhecem públicamente este fato, o fazem em suas alcovas, na maior parte das vezes. Há aqueles que não se permitem tais prazeres, e são por isso tão amargos tantas vezes (tirando claro, alguns poucos monges celibatários que conhecí que eram mesmo pessoas adoráveis). Postas todas estas coisas, há uma grande hipocrisia a respeito do sexo, e do direito das pessoas de fazer o que quiserem com seus corpos e sensibilidades, e é isso que aparece em cores tão terríveis neste caso da Francine.

Quem publicou as fotos dela talvez tivesse mesmo a intenção de agredir a pessoa de Francine, embora eu não esteja certo disso. Como um pesquisador ocasional de fórums de nudez amadora, tenho algum conhecimento das dinâmicas existentes lá dentro, e de como as pessoas agem por alí. Muitas vezes o interesse em identificar as pessoas exibidas nas fotos, que na maioria dos casos são publicadas sem o conhecimento e contra a vontade das fotografadas (quase sempre das fotografadas, pois a maior parte dos homens se orgulham de aparecer nestas fotos, até onde sei), é o de dar à foto o "background" real, de "girl next door", que tanto excita os colecionadores de nudez amadora. Não sei qual foi o interesse do cara que publicou as fotos da Francine, principalmente pois as republicações, muitas delas já marcadas pelos ataques e pelo preconceito (tantas vezes ainda mais hipócrita, pois as pessoas estavam muitas vezes GOSTANDO das fotos e atacando a moça ao mesmo tempo), são tudo que achei, e elas não dizem mais muita coisa sobre qual era o interesse original.

Quanto aos envolvidos nas fotos, Francine e os outros dois caras (dos quais não me lembro os nomes, em um curioso flagrante de meu desinsteresse por eles), não estavam fazendo nada que não se faça naturalmente, e geralmente com bastante prazer, em todas as cidades do Brasil e do mundo, grandes ou pequenas. Estavam fazendo algo que, provavelmente, tantas das pessoas que engordam a turba de "linchadores" gostaria de fazer, ou fizeram, ou fazem, mesmo que não admitam isso (e Francine também negaria tudo, como faz, como fez, se tivesse escolha agora). Estavam fodendo e sendo felizes. Talvez tenha sido um erro fotografar o ato, mas isso também é tantas vezes feito, e tantas vezes também publicado, sem consequências tão grandes quanto as ocorridas no caso de Francine (até onde sei). Por que é então que neste caso a coisa estourou desta forma? Será que é pelo provincianismo da cidade? Será pela posição dos pais da moça (que não é muito diferente das posições dos pais ou parentes de outras moças cujas imagens já vi publicadas, algumas delas de forma amadora, outras de forma "profissional")? Será por um conjunto quase aleatório de fatores da forma de exposição das fotos, da forma como elas foram difundidas pelo Orkut, e do alarde da Mídia? Esta é uma análise que cabe não só a mim, mas a muitos, e confesso estar com preguiça de fazê-la.

O ponto central, para fechar este post que já está longo demais, é que o grande absurdo desta história toda não são as fotos, ou o que se estava fazendo nas fotos, ou a negação dos envolvidos a respeito da veracidade delas. O grande absurdo não é o fato de que Francine Favoretto transou com dois caras, e se deixou fotografar fazendo isso. O grande absurdo é que outras pessoas, que não são parentes de Francine, que não são envolvidos com Francine, que não são parentes e por vezes nem amigos de nenhum dos envolvidos, que por vezes nem sequer a conheciam além de um rosto na multidão, atacarem a moça desta forma. O absurdo é a reação das pessoas no Orkut (que desconfio ter sido conduzida por uma daquelas lastimáveis dinâmicas de turba onde uma pessoa faz algo estúpido e as outras a seguem como lemingues rumo à queda no penhasco da ignorância). O absurdo é que alguém se sinta no direito de julgar outra pessoa por atos que não o dizem respeito, e que não são, cá entre nós, nada fora do normal.

O grande absurdo é que até hoje ainda estamos falando de Francine, quando na verdade a discussão é sobre o preconceito, a ignorância e a agressividade das pessoas não só em Pompéia, como em todo o resto do mundo. As fotos de Francine mostram que ela transou com aqueles caras (espero que tenha sido bom pra eles). A reação de todos nós mostra muitas coisas sobre nós. E isso sim é que deveria estar sendo discutido.

Seja feliz Francine. Don't let the bastards grind you down, baby.

E ao preconceituosos e curiosos e desocupados que, como até eu admito ter feito, destilaram comentários pouco inteligentes e humanos a respeito do caso, que tal arranjar algo melhor para fazer, como por exemplo cuidar de suas próprias vidas?


Love and Understanding people just the way they (and we) are.

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