Daniel Duende é escritor, brasiliense, e tradutor (talvez nesta ordem). Sofre de um grave vício em video-games do qual nunca quis se tratar, mas nas horas vagas de sobriedade tenta descobrir o que é ser um blogueiro. Outras de suas paixões são os jogos de interpretação e sua desorganizada coleção de quadrinhos. Vez por outra tira também umas fotografias, mas nunca gosta muito do resultado.

Duende é atualmente o Coordenador do Global Voices em Português, site responsável pela tradução do conteúdo do observatório blogosférico Global Voices Online, e vez por outra colabora com o Overmundo. Mantém atualmente dois blogues, o Novo Alriada Express e O Caderno do Cluracão, e alterna-se em gostar ora mais de um, ora mais de outro, mas ambos são filhos queridos. Tem também uma conta no flickr, um fotolog e uma gata branca que acredita que ele também seja um gato.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Mais conversa fiada sobre o aborto e direitos reprodutivos...

Lembram daquele roundup que fiz no Global Voices sobre manifestações "pró-escolha" em Brasília, e que estavam dando uma discussão looonga nos comentários?

A conversa continua até hoje. Mas esta última comentadora nos presenteou com quase toda a coleção de pérolas "pró-vida" que se ouve por aí. Uma oportunidade perfeita para o chato do Duende que vos escreve, que adora discutir, dar mais uma daquelas suas loooongas respostas ponto a ponto, mostrando o absurdo de cada afirmação. Se ainda tem saco de ler sobre o assunto, vou colar os comentários da moça e a minha resposta abaixo:

  1. Taise Disse:

    Sou contra o aborto pq acredito que já ha vida a partir do momento da concepção…
    Mas não é sobre isso que quero falar vcs comentaram sim sobre o direito de escolha e tudo mais, porem ninguém tocou nos problemas psicológicos que o aborto traz a mãe.Ninguém ate agora falou que o numero de suicídios de mulheres são bem maiores nos paises que o aborto é legalizado. Como também o numero de depressão e é claro esquizofrenia uma doença que a pessoa se fecha para o mundo e inventa um só pra ela, outra coisa o numero de criança esta diminuindo, pois nas classes mais baixas o numero de filhos por família é de 3 e em classes mais altas é de 0,7 se continuarmos assim daqui a pouco teremos poucas pessoas entre nós. Terminando acho que se o aborto for legalizado estaremos matando grandes pessoas que podem estar vindo para a melhora deste mundo…

  2. Taise Disse:

    Outro detalhe o maior índice de aborto são nas classes alta e média onde as pessoas tem dinheiro para educá-los. Normalmente o pobre tem os filhos não para se aproveitar deles, mas sim, para ter alguma alegria no fim de um dia ruim.

  3. Daniel Duende Disse:

    Olá Taise,

    Vamos por partes, então. É claro que há questões psicológicas ou, melhor dizendo, questões psíquicas grandes envolvidas em um aborto. Da mesma forma que há questões psíquicas igualmente grandes envolvidas em uma gestação, em um parto e na criação de um filho, tanto mais se for um filho indesejado. É claro que nada que envolva a concepção, gestação, a interrupção ou a continuidade da mesma pode ser levado de forma leviana. São questões sérias, e eu acredito que a decisão de fazer um aborto possa ser difícil, e marcar uma mulher por muito tempo. Mas o mesmo pode ser dito da decisão de levar em frente uma gravidez, com tudo que envolve dar à luz e criar um filho, muitas vezes em condições difíceis. Não vi aí, portanto, nenhum argumento que embase que não se dê escolha as mulheres a respeito da questão. É uma escolha difícil, mas é uma escolha que pertence à mulher, e não deve ser retirada dela.

    Quanto ao número de suicídios nos países onde o aborto é legalizado. Antes de mais nada, de onde você tirou os dados para esta afirmação? Segundo, devemos lembrar que cada país é um país, e inúmeros fatores moldam e afetam a taxa de suicídio de um país. Você pode afirmar que são os abortos, legais ou clandestinos, que causam a alta taxa de suicídio nos países do norte da Europa? Não encontrei até hoje um estudo convincente sobre motivações para o suicídio em um dado país. Será que você escreveu o primeiro e eu nem fiquei sabendo?

    E sobre as estatísticas a respeito de casos de depressão e esquizofrenia? Você poderia me dizer também de onde é que vieram estes números? Nunca encontrei uma pesquisa sequer que apontasse uma co-relação entre a legalização do aborto e certas questões de saúde psiquiátrica. Por outro lado, posso te mostrar vários estudos que correlacionam a proibição do aborto com as taxas de mortalidade mulheres em idade fértil. Vamos trocar umas figurinhas?

    Você poderia também aproveitar a oportunidade, cara Taíse, para nos explicar melhor a sua conceituação de depressão e esquizofrenia. Ela parece um pouco diferente daquela que estudei na faculdade de Psicologia.

    Seguindo em frente, você está mesmo preocupada com a diminuição de natalidade? Acredita que a diminuição da natalidade nos países mais ricos seja uma tendência preocupante? Por quê? Há muitos que se preocupam com isso, mas seus motivos são para lá de condenáveis: temem viver em um mundo onde há muito mais “não brancos” do que brancos, o que precipita ainda mais um possível conflito dos desprovidos contra os “providos”. Você está entre esses, ou teme apenas que um dia a humanidade desapareça por poder escolher entre ter filhos ou não? Avise-me no dia em que a Suíça ou a Dinamarca estiverem vazias. Eu ia gostar de comprar uma casa baratinha desocupada por lá.

    Por fim, cada vida é uma promessa. É claro que uma vida que não acontece pode significar uma promessa não cumprida. Mas que tal nos preocuparmos primeiro com as milhões de vidas cujas promessas não podem ser cumpridas, ainda que continuem vivendo, por conta da pobreza, do preconceito, da exploração, da fome, da guerra e de tantos outros flagelos? Em vez de se preocupar tanto com a gestação dos outros, que tal salvar algumas crianças que estão agora mesmo em um orfanato PRECISANDO de alguém que as ajude a cumprir a promessa que representa suas vidas? Ser contra do direito de escolha da mulher com o argumento de que ela pode estar matando “um grande gênio”, quando na verdade não se está nem aí para os tantos “grandes gênios” que podem estar pedindo dinheiro na janela do seu carro é no mínimo desonesto. Mas a palavra que eu usaria para isso é outra, mas eu prefiro guardá-la só para mim.

    Acima de tudo, por que é que os “grandes gênios” e as “grandes pessoas” teriam mais direito de viver do que as outras? Então o problema são as vidas, ou as vidas dos “seres superiores”?

    E, por fim, por que é que você acha que a maioria dos abortos acontece nas classes altas? Eu poderia acreditar nisso, já que as pessoas das classes mais abastadas tem DINHEIRO não apenas para pagar um médico que realize um aborto clandestino, como também tem STATUS para conseguir fugir da prisão, caso sejam descobertos. Afinal, o aborto da moça branca, filha do abastado comerciante ou do grande executivo e da mulher “honesta” que se dedicou aos filhos é um pouco menos “criminoso” do que o aborto da moça negra e pobre que está sangrando na fila do SUS, não é mesmo?

    Mas o fato é que você não tem estes dados. Ninguém os tem. Como fazer uma estatística confiável sobre algo que tem que acontecer na surdina, escondido de tudo e de todos, por que o Governo se acha no direito de decidir pela cidadã o que ele deve fazer com a sua vida pessoal e sexual? Abortos são feitos todos os dias, em todas as classes, e mulheres morrem ou sofrem terríveis efeitos colaterais, completamente à margem de todas as estatísticas oficiais, simplesmente porque o aborto é PROIBIDO. E esta proibição não impede, nem nunca impedirá ninguém, de decidir a própria vida. Trata-se apenas de uma maneira de lavar as mãos, fechar os olhos, e afirmar que quem sofre por conta disso “merece o que teve”.

    Em suma, eu acho triste ver uma mulher defendendo leis e entendimentos sociais que foram criados para oprimí-la. Mas cada um pensa de um jeito.

    Ainda espero pelas fontes dos dados e estatísticas, e pelas respostas das perguntas que te fiz.

    Abraços do Verde.


Bem, não digam que eu não avisei que a resposta era longa. Mas pela quantidade de besteiras que eu vejo sendo ditas em comunidades sobre o assunto no Orkut, e geralmente besteiras muito parecidas, eu não quis perder a chance de registrar algumas respostas fáceis -- do tipo que qualquer um com 3 ou 4 neurônios consegue dar -- para estas "pérolas pró-vida".

Eu não canso de me impressionar com a capacidade das pessoas (incluindo, muitas vezes, a minha própria) de falar besteira, muitas vezes sem nem pensar no que está dizendo...

UPDATE:
A moça voltou lá no roundup para responder minhas perguntas. Mudou um bocado de tom, e disse que era uma pessoa que ainda estava refletindo sobre o assunto. Não é o que os comentários iniciais dela deram a entender, mas, cada um sabe de sí. Passei para ela o link da comunidade Aborto Não Deve Ser Crime do Orkut e pedi para que ela fosse se informar com o pessoal de lá, que sabe muito mais do que eu sobre o assunto. É claro que não pude perder também a chance de aconselhar a moça a não sair repetindo todos os argumentos que ouve por aí...

...Como se eu tivesse "estatura moral" pra apontar o dedo para quem faz isso, né? Mas eu estou aprendendo. :)

Nenhum comentário: